Foto: Fernanda Pinto/Verdadeiro Olhar

“Temos uma sala, onde trabalhamos e fazemos jogos, leitura e culinária. Aqui é o quarto onde dormimos e acordamos. Já aprendi, há muito, a fazer a cama”, conta Hélder Carneiro, de 15 anos, enquanto mostra todos os espaços do pequeno contentor instalado na EB 2,3 de Caíde de Rei. É ali que ele, e outras crianças e jovens com necessidades educativas especiais aprendem a desenvolver actividades de forma autónoma.

Nesta “casa” dentro da escola ensina-se, por exemplo, a fazer uma cama e a arrumar a casa, cozinhar doces e salgados, tratar da roupa e da higiene pessoal, plantar e colher e a interagir.

O projecto chama-se “T0 na Escola – a autonomia ao acesso de todos” e foi o vencedor do Orçamento Participativo Jovem de Lousada 2020, estando a ser implementado este ano lectivo.

“Nas aulas tenho dificuldades, mas aqui gosto mais de aprender”

No ar há cheiro de doces. Cozinhar (e a seguir comer) é uma das actividades preferidas destas crianças e jovens. Desta vez, fizeram bolinhos de coco. Fora do contentor, decorado a preceito com cores alegres, há ainda alguns canteiros e vasos onde plantam cebolas ou morangos. A toda a volta, a escola está em obras, mas ali reina alegria e boa disposição.

Foto: Fernanda Pinto/Verdadeiro Olhar

Neste T0 equipado com cozinha, lavandaria, sala, quarto e casa de banho, os jovens fazem aprendizagens e simulação em contexto escolar. “Eles aqui conseguem fazer, conseguem ter sucesso. Sentem isto como deles”, explicam os responsáveis pelo espaço.

Hélder, autista, é de Lustosa. E mostra-se ansioso por participar. “Gosto muito de culinária e gosto de mostrar aos colegas o que sei fazer. Quando chego a casa conto o que aprendi. Aqui aprendi a limpar o pó e o chão e ajudo em casa”, garante. Para Sara Cunha, de 15 anos, da Aparecida, este espaço é um apoio. “Gosto de cozinhar, sobretudo de fazer bolos. Estou a aprender mais e a ajudar os outros. Nas aulas tenho dificuldades, mas aqui gosto mais de aprender”, atesta a aluna do 9.º ano. É também ali que se refugia para acalmar. “Isto ajuda-me muito quando tenho ataques de ansiedade. Venho para aqui onde as pessoas são aconchegantes e não há preconceito. Ajudamo-nos uns aos outros”, afirma.

“As aprendizagens tornam-se mais significativas. Vêm fazer coisas de que gostam, que conseguem fazer”

Este tipo de aprendizagens são importantes para todos os alunos e todos podem passar por este espaço, embora esteja mais vocacionado para as crianças e jovens com necessidades educativas especiais, como os que têm transtornos do espectro do autismo, paralisia cerebral ou dificuldades de aprendizagem graves. Esses alunos são mais de 30, avança Isabel Barbosa, coordenadora da equipa multidisciplinar de apoio à educação inclusiva da escola.

O projecto arrancou este ano lectivo. Depois de ser instalado o contentor houve empresas e particulares a apoiar com o mobiliário.

“Este projecto foi proposto ao Orçamento Participativo Jovem pela Associação de Estudantes e pelo Departamento de Educação Especial do agrupamento. O principal objectivo é desenvolver competências de autonomia pessoal e social, ou seja, os alunos desenvolverem competências para a vida pós-escolar. Queremos promover as aprendizagens em contexto real de trabalho, aprender fazendo coisas que sejam significativas para a vida deles”, informa Isabel Barbosa.

Aprendem a fazer o pequeno-almoço ou a fazer uma cama. “É um fato à medida, cada um vai desenvolver as competências que consegue de acordo com a sua funcionalidade”, admite a coordenadora, referindo que têm crianças dos seis anos até jovens de 17.

“Depois chegam a casa e contam o que fizeram e, muitas vezes, replicam isso em casa. Os pais estão muito contentes com o projecto”, refere.

Também os profissionais que lidam com eles diariamente notam melhorias. “Notamos uma maior autonomia, uma maior vontade de vir para a escola todos os dias e uma maior auto-estima perante os colegas. As aprendizagens tornam-se mais significativas. Vêm fazer coisas de que gostam, que conseguem fazer”, explica Isabel Barbosa.

Por isso, espera que este projecto sirva de inspiração a outras escolas. “Este tipo de soluções devia existir de raiz nas escolas e não num contentor. E para todos os alunos de modo geral, são aprendizagens importantes”, defende.

“Não estamos à espera que, por decreto, se faça inclusão, temos vindo a fazê-la”

Foto: Fernanda Pinto/Verdadeiro Olhar

O vereador da Juventude da Câmara de Lousada concorda. “Deveríamos pensar, a nível nacional, se na remodelação de estabelecimentos escolares poderia ser uma boa ideia ter de raiz este tipo de soluções que permitem a autonomia dos jovens, a capacitação, o treino de tarefas rotineiras que muitas vezes as famílias, até no sentido de protecção, não permitem nem incentivam”, afirma Nelson Oliveira.

Com este projecto, apoiado pelo OPJ de Lousada, “eles já chegam a casa a saber fazer certas coisas e os pais agradecem esta lufada de ar fresco” que ajuda a criar cidadãos mais autónomos.

Em Lousada, responde, há interesse em expandir esta ideia para outras escolas do concelho. “Este contentor já é visitado por escolas do concelho e escolas de fora para perceberem a dinâmica e quiçá implementá-la”, dá como exemplo.

Para o director do Agrupamento de Escolas Lousada Este, Orlando Pereira, “este projecto veio dar substância e aumentar o carinho que a escola tem por aqueles que mais precisam”, os que têm necessidades educativas especiais. Mas não é algo de novo nesta escola. “Não estamos à espera que, por decreto, se faça inclusão, temos vindo a fazê-la. Os nossos alunos sabem disso e têm essa cultura de inclusão”, atesta.