Samaritanos

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Fernando Sena EstevesOs Evangelhos deixam bem claro que samaritanos e judeus eram vizinhos que se detestavam profundamente, como se pode ver numa ocasião em que uns opositores de Jesus se saíram com esta diatribe: “Não dizemos nós com razão que Tu és um samaritano e que estás possesso do demónio?” Noutra altura em que os discípulos entraram numa aldeia de samaritanos para prepararem alojamento, levaram uma recusa por darem mostras de que iam para Jerusalém. Na verdade, os samaritanos não veneravam essa cidade e tinham feito mesmo um templo alternativo no monte Garizim. Vendo isto, Tiago e João disseram: “Senhor, queres que digamos que desça fogo do céu que os consuma?” Jesus bem conhecia estes irmãos e por algum motivo os tinha apelidado de Boanerges, “filhos do trovão”. Claro que não veio nenhum fogo dos céus, os dois irmãos levaram um raspanete e o grupo foi alojar-se noutra localidade.

Jesus, pelo seu lado, não se sentia inimigo de ninguém e tinha mesmo um fraquinho pelos samaritanos e pecadores e pelos que, de algum modo, se poderiam incluir, como diria o Papa Francisco, nas periferias de então, como também os doentes, as crianças e as mulheres. Por isso não admira que tivesse retribuições carinhosas e mesmo conversões. Foi o caso daqueles dez leprosos que suplicaram a cura e se viram livres da lepra quando se dirigiam aos sacerdotes nessa expetativa. Pois dos dez contemplados com tão grande benefício, só um deles voltou atrás para agradecer: precisamente, um samaritano. Também é significativo que os evangelhos relatem os casos de vários homens que se portaram mal para com Jesus, incluindo Pedro que o negou e Judas que o traiu, não apresentam maldades por parte de mulheres e foram elas quem, nos dolorosos momentos do Calvário, acompanharam Jesus e sua Mãe.

Samaritana foi também a mulher a quem Jesus, num cativante episódio junto ao poço de Jacob, começou por lhe pedir de beber, doutrinou com paciência e acabou por a converter de pecadora em apostola junto dos da sua aldeia, anunciando-lhes que tinha encontrado o Messias.

Jesus tinha muitas virtudes (pudera!) e uma delas era a de contador de histórias; calculo que em miúdo muitas histórias terá ouvido contar a Santa Maria e a São José nos serões da casa de Nazaré à luz de uma candeia de azeite. Numa dessas histórias – essas incomparáveis parábolas – um homem descia de Jerusalém para Jericó, e caiu nas mãos dos ladrões, que o despojaram, o espancaram e se retiraram, deixando-o meio morto. Ora aconteceu que descia pelo mesmo caminho um sacerdote que, quando o viu, passou de largo. Igualmente um levita, chegando perto daquele lugar e vendo-o, passou adiante. Um samaritano, porém, que ia de viagem, chegou perto dele e, quando o viu, encheu-se de compaixão. Aproximou-se, ligou-lhe as feridas, deitando nelas azeite e vinho; e, pondo-o sobre o seu jumento, levou-o a uma estalagem e cuidou dele. No dia seguinte tirou dois denários, deu-os ao estalajadeiro e disse-lhe: Cuida dele; quanto gastares a mais, eu to pagarei quando voltar.

Esta parábola foi a resposta a uma pergunta de um doutor da lei que acabara de enunciar o mandamento de se amar o próximo como a si mesmo: “E quem é o meu próximo?” Depois vem o diálogo final: “Qual destes três te parece que foi o próximo daquele que caiu nas mãos dos ladrões? Ele respondeu: “O que usou de misericórdia com ele”. Então Jesus disse-lhe: “Vai e faz tu o mesmo”.

Neste Ano Santo da Misericórdia abundam os assaltos e os assaltados e escasseiam os samaritanos. Os Bons Samaritanos.