Foto: Fernanda Pinto/Verdadeiro Olhar

O Partido Socialista de Penafiel defendeu, em conferência de imprensa, que os eleitos à Assembleia Municipal pela coligação Penafiel Quer (PSD/CDS-PP) que realizaram contratos “ilegais” com a Câmara Municipal devem renunciar aos mandatos. Caso não o façam, avisou Paulo Araújo Correia, vereador e presidente do partido, a situação vai ser comunicada ao Ministério Público, junto do tribunal administrativo, para desencadear a acção de perda de mandato prevista na lei.

Os socialistas argumentam ainda que é preciso um assumir de culpa e retirada de consequências políticas, já que a responsabilidade não “se esgota” nos cinco deputados municipais que celebraram contratos, no valor de 175 mil euros, mas também se estende ao presidente da Câmara ou vereadores que os assinaram. Se fosse ele a lesar o município “demitir-se-ia”, disse Paulo Araújo Correia, sem pedir directamente a demissão do edil penafidelense.

O PS já enviou o caso para o Tribunal de Contas – o que pode dar origem a sanções financeiras – e para a Procuradoria-Geral da República.

Esta conferência de imprensa acontece depois de os socialistas terem tido acesso a um parecer da Comissão de Coordenação Regional do Norte (CCDR-N), pedido pela Câmara Municipal de Penafiel depois de os vereadores do PS ter denunciado um caso “ilegal” de contratos estabelecidos entre uma eleita pela coligação Penafiel Quer na Assembleia Municipal de Penafiel e a Câmara de Penafiel. No documento, datado de Janeiro deste ano, lê-se que “se o membro da Assembleia Municipal for membro dos corpos sociais, gerente, sócio de indústria ou de capital de uma sociedade comercial ou civil, ou profissional liberal em prática isolada ou em sociedade irregular, poderá incorrer em inelegibilidade superveniente, caso a pessoa colectiva em questão ou o próprio, venham a celebrar com a autarquia ‘contrato de prestação de serviços ou contrato de empreitada de obras públicas’”. Mas ressalva o PS, este parecer nem era necessário, visto que há um acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 2019, que gerou jurisprudência e já determinava que estes contratos eram ilegais, sendo a sanção a perda de mandato.

Foto: Fernanda Pinto/Verdadeiro Olhar

Ainda antes desta conferência de imprensa, ontem, em declarações aos jornalistas, o presidente da Câmara Municipal de Penafiel dizia que tendo recebido este parecer, a autarquia deixou de executar quaisquer contratos com membros da Assembleia Municipal, sendo que, neste momento, “não há nenhum contrato em vigor”. “Para nós o assunto está resolvido”, assegurou Antonino de Sousa, acusando o PS de “tentar criar casos e casinhos”. Mas, referiu, “se há uma sombra de dúvida acaba-se com ela”. O autarca afirmou ainda que não foi suspenso nenhum mandato e que não haveria consequências para o município.

“Este assunto não se resolve dizendo ‘fui apanhado numa ilegalidade e agora não a volto a fazer para a frente’”

O PS já tinha alertado que os deputados municipais da coligação Penafiel Quer não podiam celebrar contratos com a Câmara ou empresas municipais detidas a 100% pela autarquia. “Não era um ‘achismo’ ou uma interpretação jurídica do Estatuto dos Eleitos Locais”, mas baseavam-se num acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 2019 “que dizia, de forma clara, que não era possível a um eleito local, especificamente um deputado municipal, contratar com os órgãos do município, sob pena de perda de mandato, da nulabilidade do próprio contrato, com obrigação de devolução do dinheiro pago pelo serviço”, começou por dizer Paulo Araújo Correia. Apesar disso, o presidente de Câmara defendeu a legalidade deste tipo de procedimentos e disse que ia pedir um parecer à Procuradoria-Geral da República.

Esta entidade terá respondido que não era da sua competência, tendo Antonino de Sousa pedido um parecer à Comissão de Coordenação Regional do Norte, apesar de a autarquia sempre ter defendido que foram cumpridos todos os preceitos legais, baseando-se num parecer da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro.

Esse parecer da CCDR-N, datado de 27 de Janeiro de 2023, que só agora ficou disponível online veio determinar que esses contratos com membros da Assembleia Municipal não são legais, avançou Paulo Araújo Correia, não percebendo como é que só agora o presidente da autarquia veio falar no tema, quando já tinha de ter conhecimento dele “há mais de um mês”.

“Só houve reacção do presidente de câmara quando foi confrontado com este parecer. O que é que ganhou? Todos os contratos estavam em execução quando levantamos este assunto e estavam a ser feitos pagamentos. Não era necessário parecer nenhum, porque havia uma decisão judicial, e o presidente é jurista e sabia-o. Com este pedido de parecer, o que a Câmara e executivo municipal conseguiram, com este delay de tempo, foi que os contratos fossem concluídos na sua execução, que o dinheiro público indevidamente atribuído a estes deputados municipais, porque assenta em contratos ilegais, fosse totalmente entregue”, acusou o vereador e presidente do PS Penafiel.

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Pergunta ainda: “O que é que o senhor presidente da câmara vai fazer? Vai-se limitar a entender que de agora em diante não se faz mais contratos com eleitos locais ou vai tirar sanções políticas?”, já que o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo diz que a sanção é a perda de mandato, através da participação dos casos ao Ministério Público.

Mas há também questões a dirimir no Tribunal de Contas, ou seja, possíveis sanções ao próprio presidente da câmara ou vereadores que assinaram aqueles contratos com os eleitos locais, esclarece Paulo Araújo Correia, lembrando que há uma decisão recente, relativa à Câmara de Tabuaço, que condenou o presidente da câmara numa sanção financeira por um contrato com eleito local. Pode haver lugar ainda a um ilícito criminal. “Ainda recentemente, o presidente da câmara de vieira do Minho foi acusado do crime de prevaricação por ter assinado um único contrato com um eleito local, uma prestação de serviços”, disse o socialista.

“Este assunto não se resolve dizendo ‘fui apanhado numa ilegalidade e agora não a volto a fazer para a frente’ e a dizer que o que está para trás, que era ilegal, não tem qualquer tipo de sanção, nem política, nem administrativa, nem criminal. O que vai acontecer ao dinheiro que foi ilegalmente pago? Vai ser devolvido?”, perguntou o presidente do PS Penafiel.

“28% dos deputados eleitos pela Coligação tinham contratos com a Câmara Municipal”

O princípio que norteia estas decisões do Supremo Tribunal Administrativo é que a comunidade presume “que há tratamento de favor quando um eleito local contrata com um órgão do seu município”. E este não foi “um caso isolado”, argumenta Paulo Araújo Correia. Foram cinco deputados municipais, em 18 eleitos pela Coligação Penafiel Quer, os envolvidos neste tipo de contratos. “28% dos deputados eleitos pela Coligação tinham contratos com a Câmara Municipal”, afirmou o socialista em conferência de imprensa. Três tinham contratos com a câmara (um já renunciou ao mandato), um com a Penafiel Verde e outro com a Penafiel Activa, empresas detidas pelo município. A isso acrescem “membros de executivo de juntas de freguesia e membros das assembleias de freguesia”.

Esta é “uma opção política clara do presidente da câmara de desvirtuar as corridas eleitorais, porque beneficia dos meios da câmara e verbas para arregimentar pessoas para as suas listas de candidatura, não há outra forma de o interpretar”, critica.

Foto: Fernanda Pinto/Verdadeiro Olhar

Paulo Araújo Correia também não percebe porque é que o município notificou um dos deputados municipais, que tinha um contrato de concessão de um bar através de uma sociedade, dando-lhe da opção de renunciar ao mandato ou vender a quota, e não fez o mesmo com os restantes. “Se a câmara notifica um deputado para a perda de mandato é porque concluiu que o procedimento foi ilegal. Porque chegou àquela conclusão para aquele deputado e para os restantes deputados municipais não houve consequências políticas?”, questiona.

O vereador socialista dá ainda outro exemplo. Pela lei, quando integrou as listas da coligação Penafiel Quer, à Câmara e à Assembleia de Freguesia de Rio de Moinhos, o agora vereador Joaquim Rodrigues era “inelegível” porque detinha empresas com contratos com a Câmara Municipal. “Desde que assumiu as funções de vereador não tem contratos em vigor, mas na altura candidato, entre Junho e Setembro de 2021 (mês da eleição) celebrou contratos de empreitada para realizar obras na freguesia de Rio de Moinhos de 600 mil euros”, referiu.

O PS já participou estes casos dos contratos com deputados municipais ao Tribunal de Contas e fez uma exposição à Procuradoria-Geral da República. Vão para já aguardar respostas. Mas, se não houver demissão voluntária dos deputados municipais, à semelhança do que já aconteceu com um deputado, participaremos ao Ministério Público para originar a perda de mandato”, avisou Paulo Araújo Correia. “Esperamos que o senhor presidente da câmara retire ilações deste erro e tire responsabilidades políticas”, acrescentou. Questionado sobre que responsabilidades seriam essas, o socialista traçou um retrato: “Se fosse eu confrontado com uma situação em que lesei o município em 175 mil euros, a partir do momento em que tive conhecimento daquele acórdão, o que faria de imediato era parar com a execução de todos aqueles contratos e revogá-los. Não deixaria que o município ficasse durante meses à espera de um parecer da CCDR Norte. Eu demitir-me-ia, seriam as ilações políticas que retiraria. Se não foi ele, alguém do executivo devia assumir essas responsabilidades”.

“Não há nesta altura nenhum contrato em vigor com membros da Assembleia Municipal”

Apesar de não acreditar que a Câmara de Penafiel cometeu nenhuma “ilegalidade” e como já tinha referido em Assembleia Municipal, Antonino de Sousa pediu um parecer à Procuradoria-Geral da República sobre os contratos celebrados com eleitos da Assembleia, depois de o PS ter vindo denunciar um caso.

“Interpelei os serviços e deram-me nota que o estavam a fazer com base parecer da CCDR Centro e num parecer interno da Câmara de Penafiel o que lhes dava conforto de não haver aqui nenhuma ilegalidade. Mas como o PS sugeriu que sim, solicitei esse parecer”, confirmou, ontem, aos jornalistas.

Como a Procuradoria não o podia emitir, Antonino de Sousa diz que avançou com um segundo pedido, desta vez à CCDR Norte. E, ao contrário dos pareceres em que a autarquia de Penafiel se tinha baseado, da CCDR Centro, produzidos em 2020 e outro em 2022, “a CCDR Norte tem opinião diferente e diz que não deve ser feita nenhum tipo de contratação com membros de Assembleias Municipais”, esclareceu o autarca. “Fico surpreendido como é que duas entidades da administração central, que devem esclarecer as dúvidas do município, tenham apreciação oposta”, afirmou.

“Decidimos de imediato dar ordens expressas aos serviços para que não voltasse a acontecer e nunca mais aconteceu. Para mim o assunto está ultrapassado. Não terá repercussões para os deputados. Não há nesta altura nenhum contrato em vigor com membros da Assembleia Municipal. Já na altura em que a questão foi colocada existiam dois contratos a terminar e já terminaram”, frisou o presidente da Câmara.

“Esta diversidade de pareceres ilustra bem que não há segurança jurídica quando ao assunto. Não queremos alimentar este debate político. Para nós o assunto está resolvido. Não há contratos com membros da Assembleia Municipal”, sentenciou Antonino de Sousa, apontando de seguida criticas ao Partido Socialista de Penafiel.

“A nossa decisão assenta muito no facto de percebermos que o PS de Penafiel não tem outra forma de fazer política, não há nada de positivo, fez sempre a sua caminhada a tentar criar casos e casinhos”, disse, acrescentando “acha que é o dono da moral, da ética e da transparência quando a prática do PS, a nível nacional”, mostra o contrário. Mas, argumentou, “se há uma sombra de dúvida acaba-se com ela”.

Antonino de Sousa referiu ainda que um dos deputados tinha entendido, ainda antes deste parecer, renunciar ao mandato, por vontade própria. E que nenhum outro foi suspenso. O edil também afiançou que “não há consequências para o município”. E que as incompatibilidades já não existem porque os contratos já terminaram.