Quando aos 10 anos foi aprender música e, mais tarde, se tornou uma das primeiras meninas a juntar-se a uma banda, Antonieta Moreira estava longe de imaginar onde a vida a iria levar.

Acabou por agarrar na batuta e tornar-se na primeira maestrina à frente de uma banda filarmónica em Portugal. Até agora, era mesmo uma das poucas mulheres a assumir essas funções, algo que, confessa, ainda causa estranheza a muitos num mundo que é tipicamente de homens.

Durante quase 35 anos, e até ao passado domingo, foi maestrina da Banda Musical de São Vicente de Alfena, em Valongo. A despedida aconteceu num concerto especial no encerramento da Festa do Brinquedo.

“Nunca andei em academias musicais. Sempre fui curiosa e autodidacta”

Antonieta Moreira tem 59 anos e é natural de Alfena. Moveu-se desde cedo em mundos tipicamente masculinos. A ligação à música vem desde a infância. “Aos 10 anos fui aprender solfejo e instrumentação na Escola de Música da Banda de S. Vicente de Alfena e aos 12 anos integrei a Banda”, conta.

Tocava saxofone, o instrumento que lhe calhou, e foi também uma das primeiras meninas a juntar-se a uma banda de música. “Era muito acarinhada. Toda a gente me tratava como filha”, recorda. Mas isso valia-lhe também episódios caricatos. “As pessoas não acreditavam que era menina. Ia fardada, com o cabelo comprido e ouvia comentários como ‘se fosse o meu filho cortava aquele cabelo’”, dá como exemplo.

BMSVA na Festa do Brinquedo

A Banda Musical São Vicente de Alfena fechou com chave de ouro a Festa do Brinquedo 2018.Até para o próximo ano.

تم النشر بواسطة ‏‎Junta de Freguesia de Alfena‎‏ في الإثنين، ١ أكتوبر ٢٠١٨

Foi crescendo na música e aprendeu outros instrumentos para os poder ensinar, até porque, aos 18 anos, depois de uma formação na área da pedagogia, já tinha assumido a escola de música. “Nunca andei em academias musicais. Sempre fui curiosa e autodidacta. Comprava livros e lia”, explica Antonieta Moreira.

No final de 1982, fez o primeiro curso de direcção de bandas civis e, um ano mais tarde, agarrou na batuta e assumiu a direcção artística da banda a que está ligada há dezenas de anos, quando o maestro titular saiu. “O pároco de então confiou em mim, achou que eu tinha capacidade e apostou. Considero-me uma boa maestrina, não tenho medo de dirigir qualquer obra”, garante. Frequentou, entretanto, outros dois cursos de regência de bandas civis.

“Há só meia dúzia de maestrinas” em Portugal

Dirige a banda há praticamente 35 anos. “Fui a primeira maestrina e sou a maestrina que está há mais tempo consecutivo numa banda”, diz, salientando que ainda hoje este continua a ser um mundo “reservado aos homens”. “Há só meia dúzia de maestrinas” em Portugal. Ainda hoje, talvez pelo cabelo curto e grisalho, muitos a tratam como “senhor” nos locais onde vão actuar. “A banda ser dirigida por uma mulher ainda causa estranheza. E ainda mais quando chego a conduzir um autocarro”, brinca.

Mas diz que sempre foi respeitada pelos cerca de 50 músicos que dirigia na Banda Musical de São Vicente de Alfena. “Sempre me senti respeitada e toda a gente aceitou bem porque me conheciam desde pequena. Isto é uma família”, afirma a maestrina.

Foto: Banda Musical de São Martinho de Alfena

Este domingo, fechou um capítulo na sua ligação à música. Deu o último concerto como maestrina da Banda de Alfena. “Não me imaginava de batuta numa mão e de bengala na outra. É o fim de um ciclo. Está na hora de sair e dar lugar aos mais novos”, assume, com tranquilidade.

Na hora do “adeus”, deixa agradecimentos aos professores que a incentivaram e que lhe reconheceram capacidade, a quem apostou nela na instituição e a todos os músicos que fizeram com ela este caminho.