A Assembleia Municipal de Paços de Ferreira, realizada na noite do passado dia 28, ficou marcada pela aprovação de um Memorando de Entendimento entre a Câmara Municipal de Paços de Ferreira e a ADPF – Águas de Paços de Ferreira, SA, empresa que até há poucos meses fazia parte do grupo AGS.

O documento, que foi aprovado com os votos favoráveis da bancada do Partido Socialista e a abstenção do PSD, prevê, segundo o presidente da Câmara Municipal, a redução de 50% no preço da água ao domicílio. Em compensação, a Câmara Municipal paga à concessionária 50 milhões de euros. Humberto Brito, satisfeito com a aprovação, afirmou que com isto “se encerra um capítulo doloroso para a vida colectiva dos cidadãos deste concelho”.

O VERDADEIRO OLHAR leu o Memorando de Entendimento, fez as contas e explica-lhe em pormenor o que está verdadeiramente em causa.

O documento agora aprovado ainda terá que ter o parecer da ERSAR, o visto do Tribunal de Contas e a Câmara Municipal ainda terá que conseguir um empréstimo do Fundo de Apoio Municipal. Se tudo isto não acontecer até 30 de Junho de 2016, o aditamento ao contrato de concessão ficará sem efeito e o preço da água manter-se-á.

 

Um pedido de reequilíbrio financeiro não é uma dívida

Um dos argumentos utilizados por Humberto Brito para o pagamento dos 50 milhões de euros é que reduz o valor de uma dívida municipal em mais de 50%. Na verdade, para que exista uma dívida é necessária a existência de um documento contabilístico, como uma factura ou nota de débito, o que não existe. A Câmara Municipal de Paços de Ferreira nunca foi devedora da AGS.

A AGS, na cláusula 86.ª do contrato de concessão, alegou que houve “uma alteração superior a 20%, para menos, dos caudais totais anuais de água abastecida aos utilizadores, em relação aos valores previstos para o ano em causa no Caso Base”. Por isso, com base no n.º2 da mesma cláusula, a AGS requereu, por comunicação escrita, o início das negociações para a reposição de um reequilíbrio financeiro. Em momento algum emitiu qualquer documento contabilístico que possa ser encarado como uma dívida do município à concessionária.

O ponto nº3 da cláusula 86ª do contrato de concessão define as modalidades em que pode ser feito o reequilíbrio financeiro: alteração do tarifário; alteração do prazo da concessão; atribuição de compensação financeira directa à concessionária; conjugação de quaisquer soluções anteriores; ou qualquer outra modalidade que venha a ser acordada pelas partes. A Câmara Municipal optou pela atribuição de compensação financeira directa à concessionária num valor de 50 milhões de euros.

 

Câmara vai pagar mas não fica como accionista

Até há pouco tempo, o grupo AGS detinha 17 empresas, entre elas a Águas de Alenquer, Águas de Cascais, Águas de Barcelos, Águas de Gondomar, Águas do Sado e Águas de Paços de Ferreira. A 23 de Junho de 2014, a agência noticiosa Bloomberg, que citava a televisão japonesa NHK, noticiava que um grupo nipónico havia comprado 14 das empresas do universo AGS. De fora deste acordo ficavam as Águas de Paços de Ferreira, Águas de Barcelos e Águas de Marco de Canaveses. Por 14 das 17 empresas do grupo AGS, o grupo japonês pagou 10 mil milhões de ienes, cerca de 72 milhões de euros. O Memorando de Entendimento aprovado na última Assembleia Municipal prevê um pagamento de 50 milhões de euros apenas pelo reequilíbrio, sem que a autarquia se torne accionista da empresa.

Isto é ainda mais relevante porque a mais emblemática promessa eleitoral de Humberto Brito era a remunicipalização do contrato de abastecimento de água.

Em Agosto de 2011, o executivo municipal encomendou um estudo à consultora Premivalor Consulting sobre as consequências económicas e jurídicas de um possível resgate da concessão. Nesse estudo, a que o VERDADEIRO OLHAR teve acesso, a consultora chega à conclusão que “o resgate da concessão terá um impacto negativo aproximado de 80 milhões de euros para a CMPF, decorrendo da soma da indemnização e da assunção da propriedade da organização”. Ou seja, por menos de 80 milhões de euros a Câmara Municipal de Paços de Ferreira teria resgatado a concessão.

 

AGS Paços de Ferreira vai receber 50 milhões de euros

O ponto n.º3 da Cláusula 3.ª do Memorando de Entendimento  prevê que o município pague à concessionária a quantia de 50 milhões de euros, sendo que 35 milhões de euros serão pagos assim que o negócio esteja concretizado e os restantes 15 milhões de euros serão pagos em prestações de 1 milhão de euros por ano durante 15 anos, com inicio em 2018, actualizados anualmente de acordo com Índice de Preços no Consumidor.

De acordo com os dados recolhidos pelo VERDADEIRO OLHAR, a Águas de Paços de Ferreira tem actualmente um passivo de 32 milhões de euros, sendo que 23 milhões de euros são dívida aos bancos e 9 milhões de euros a fornecedores. Com este contrato, e apenas com o recebimento da primeira parte, a AGS de Paços de Ferreira consegue liquidar todas as suas dívidas e ainda fica com uma liquidez de 3 milhões de euros.

 

O preço da água não baixa no início do ano e poderá nunca baixar

O documento agora aprovado está assente em pressupostos que podem fazer com que o negócio nunca se realize. Depois de assinado, terá que ser feito um aditamento ao contrato de concessão que será enviado para a ERSAR, a entidade que regula este tipo de concessões. Falta saber se a ERSAR aceita a redução do preço da água para valores muito abaixo dos recomendados por esta entidade. O VERDADEIRO OLHAR consultou um jurista que põe a hipótese da ERSAR entender que estes 50 milhões de euros são um financiamento ao munícipe na tarifa da água e recusar o negócio. Legalmente, apenas as tarifas sociais podem ser financiadas.

Depois da entidade reguladora, o documento terá que passar pelo Tribunal de Contas que, para além das questões financeiras e jurídicas, irá analisar o impacto futuro dos contratos.

Por fim, mas o mais importante, a Câmara Municipal irá recorrer ao Fundo de Apoio Municipal (FAM) para conseguir um empréstimo que lhe permita liquidar o passivo municipal e ainda pagar à AGS de Paços de Ferreira.

A redução do preço da água acontecerá apenas quando todas estas condições estiverem reunidas. Mas não só. O ponto 4 da 11.ª Cláusula prevê que tudo isto (o parecer da ERSAR, o visto do Tribunal de Contas e o empréstimo do FAM) ocorra no máximo até ao dia 30 de Junho de 2016. Se assim não for, o aditamento ao contrato de concessão fica sem efeito.

 

Baixa o preço da água, sobem todos os impostos e taxas municipais

Não há bela sem senão. Para pagar os 50 milhões de euros à AGS de Paços de Ferreira, a Câmara Municipal vai ter que recorrer ao empréstimo do FAM. Caso seja concedido o referido empréstimo, o FAM obriga a que todos os impostos e taxas municipais subam para os valores máximos permitidos por lei. O IMI passará imediatamente para a taxa máxima, o comparticipação no IRS não  poderá descer e todas as taxas municipais, seja de resíduos, licenciamentos, etc., terão que passar para os valores máximos definidos na Lei.