Política para totós: Cartas de amor…e desamor

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Paredes, 4 de dezembro de 2019

Caro amigo,

a quadra que se aproxima transporta-nos, umas vezes tristes outras não, para ambientes mais acolhedores, aquecidos pela lareira, remansados por um bom “Porto” velho e um bolo seco.

Apesar disso, estes últimos escritos ainda não nos deixam respirar a harmonia a que a época convida.

Isso acontece-nos quando nos damos conta de que, afinal, a esperança, por si só, serve para pouco.

É que já passaram mais de dois anos desde aquele dia em que, óbvia e finalmente, te encheste de orgulho por veres que outra gente – pensavas tu – tomaria conta da terra que amaste tanto porque lhe dedicaste o melhor da tua vida e, agora, apesar de madrasta, ainda queres lhe queres muito, só porque te viu nascer.

E logo começaste a pensar que, a partir daquele momento, acabavam os disparates mal sonhados, os bairrismos bacocos, o desprezível clientelismo partidário, as políticas avulsas ou exibicionismo parolo e dispendioso.

O pior que pode acontecer a quem só pode ter esperança é ficar-se por isso mesmo. Ter esperança é ficar quieto à espera que as coisas aconteçam, é desejar que as coisas melhorem pela capacidade daqueles a quem foi reconhecido o direito de governar. Ter esperança pode representar apenas inércia.

Foi o que te aconteceu. Ficaste-te pela esperança porque de ti não esperavam nem te reconheciam mais do que isso. Deixa-me, no entanto, que te diga que fizeste mal. Devias ter agido mesmo que isso te custasse o desprezo ou até o ostracismo daqueles que usam o poder só porque o têm. Em democracia, olhem-te como olharem, não podes desistir de ser melhor. Por ti e pelos outros. E isto é tão mais verdade quanto mais capacidades tiveres.

A contemplação foi o teu modo de assistir e, por isso, viste mais do que querias e, sobretudo viste o que não querias.

E as promessas eleitorais dos que ajudaste a eleger, afinal, eram iguais às dos outros. Só promessas.

E o clientelismo partidário, imagina, aumentou. Hoje, a tua autarquia emprega mais clientes do que funcionários. A tua junta de freguesia muda sorrateiramente de presidente porque o que ganhou se mostrou pior do que a encomenda – eu bem te tinha avisado!

Afinal, aquele bairrismo bacoco entre as freguesias mais populosas e vizinhas, em vez de acabar, aumentou. Com isso nem beneficiam essas e muito se prejudicam as restantes.

Como se não bastasse, assistes, impávido e sereno, ao confronto absurdo entre Rebordosa e Lordelo, como se a gestão de um concelho com quase 90.000 habitantes tivesse de estar sujeito a este bacoquismo. Vê lá tu que até a rivalidade do futebol é assunto que interessa à assembleia municipal.

Por falar na assembleia municipal, apesar das boas intenções do seu presidente, a má educação e a falta de cultura democrática da maioria dos seus membros está a transformar o direito ao contraditório em sons parecidos com os das claques que se fazem ouvir por insultos como os das bancadas dos estádios de futebol. É o que acontece quando a estes condimentos ofereces a liderança da bancada do partido vencedor a quem se lhe opôs até ao dia em que ganhaste.

E quanto ao executivo a coisa também não tem ido muito além da esperança. O órgão colegial concentra, erradamente, o poder no presidente. A oposição vê cerceados os seus direitos e os vereadores do partido no poder só fazem o que o presidente deixa porque não mandam em coisa alguma. A alguns nem a influência dos progenitores lhes vale. Se calhar até se prejudicam.

Já vai longa esta nossa conversa, meu amigo, mas deixa que te conte só mais uma coisa. Não por ser importante, mas pelo que representa.

Vê bem que, apesar da dívida insuportável da autarquia de que o presidente se queixa, apesar dos fornecedores da câmara receberem tarde e a más horas, “sua excelência” decide-se por trocar de carro. Um topo de gama que custa dezenas, perto das centenas, de milhares de euros.

Num concelho onde o rendimento “per capita” é muito inferior à média do país que necessidade tem um presidente da câmara de comprar, com dinheiros públicos, esta imponente máquina alemã? Se a dignidade da função que exerce se medisse pelo preço do carro não seria melhor exemplo comprar um mais modesto?

É que transparece excentricidade. É sinónimo de novo-riquismo. É insultuoso. É parolo. É errado!

Se ser socialista é isto eu vou ali e já volto. E eles dizem que são, bolas!