Paredes: de frente para o passado e de costas para o futuro (cap.III e último)

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Para concluirmos o raciocínio que vimos construindo nos dois últimos artigos de opinião que aqui temos escrito, resta falar sobre algumas das consequências que, desde a instauração da democracia, podem explicar a situação do concelho de Paredes que é, recordemos, o concelho da Área Metropolitana do Porto (AMP) com salários mais baixos, maior percentagem de analfabetismo funcional e com pior média em taxa de escolarização dos seus habitantes (8.º ano).

O concelho apresenta potencialidades económicas semelhantes aos outros, no Vale do Sousa e na AMP. Tem boas acessibilidades, criadas a partir de decisões do poder central. Tem uma localização geográfica privilegiada para se transformar numa cidade média capaz de contribuir decisivamente para a diminuição das assimetrias entre o interior e o litoral. Para isso bastaria que em Trás-os-Montes se desenvolvesse uma cidade tampão ao êxodo dos transmontanos para o Porto (Vila Real ainda não é essa cidade, mas para lá caminha) e no concelho de Paredes, sobretudo pela captação de empresas industriais não poluentes, pela planificação do crescimento em torno das excelentes acessibilidades de que dispõe, pela oferta imobiliária de qualidade que desse preferência às necessidades da classe média que cada vez tem mais dificuldades em se fixar no grande centro urbano que é o Porto e ainda pela capacidade, que não tem, de captação de empresas na área do setor terciário, Paredes, dizíamos nós, podia hoje ser o ponto de equilíbrio entre o interior e o litoral.

Em vez disso, o que temos?

Um concelho que não se revê como um todo. Assimetrias de desenvolvimento que, muitas vezes, resultam apenas das rivalidades entre as maiores freguesias porque foi aí que, por causa do eleitoralismo, se escolheram os dirigentes políticos, não pelas suas competências ou méritos, mas pelo ancestral antagonismo que assumiram enquanto representantes da sua freguesia em lugar de se afirmarem como gestores da causa pública municipal e até intermunicipal.

Exemplos?

Alguém duvida que Vilela sofre de um atraso estrutural porque os presidentes da câmara ou vereadores municipais, desde sempre, se preocuparam mais em desenvolver as freguesias donde provinham, Rebordosa e Lordelo, do que em potenciar o desenvolvimento equilibrado do concelho? Porque é que Vilela sofreu mais nestes anos todos? Porque ficava e fica no meio do furacão das rivalidades. Vilela até é peixe graúdo no contexto das freguesias do concelho, mas para os tubarões esse é o melhor alimento.

Alguém duvida do esquecimento a que, durante muitos anos, foi votada a sede do concelho se deveu ao ostracismo castigador dos eleitos no executivo municipal, sobretudo os de Lordelo e Rebordosa, detestarem a sede do concelho?

Alguém duvida também que parte desse “ódio” foi aumentado na medida em que quando os presidentes eram da sede de concelho entendiam -afirmavam até- que Castelões de Cepeda devia ser a “sala de visitas” e deixavam para segundo plano o resto do concelho?

Alguém duvida que o esquecimento a que o sul do concelho foi lançado se deve, em grande parte, ao facto de nunca ter tido uma representatividade ao nível do executivo municipal capaz de se impor e lutar por aquilo que hoje falta, e falta tanto, quando comparado com outras freguesias? Da memória que temos, desde o 25 de abril, nunca houve um presidente da câmara daí proveniente e, quando o sul do concelho elegeu vereadores, quase todos representaram mal os seus eleitores porque se preocuparam mais na satisfação de interesses partidários e até de interesses pessoais?

A realidade, triste, do concelho de Paredes não se explica só pela ignorância dos eleitos para o executivo municipal, pelas rivalidades entre freguesias ou pelo abandono de valores do mérito para a gestão autárquica. Não explica tudo, mas explica muito e é um bom ponto de partida para percebermos a terra onde nascemos ou onde vivemos.

As frases da semana:

Sobre o depósito do lixo dos concelhos do Vale do Sousa em Baltar

-“Não se construirão mais aterros sanitários no Vale do Sousa”- Antonino de Sousa, presidente da câmara de Penafiel, in jornal Verdadeiro Olhar

É a mais subtil forma de gozar com o concelho vizinho de Paredes que se afirma, como é público, como pertencente à Área Metropolitana do Porto. Chamem-lhe aterros sanitários ou unidades industriais, a verdade é que tratarão do lixo. Se o lixo, a partir de agora, for descarregado e tratado em Baltar estará, geograficamente na AMP. Agora e durante muitos anos. Tem razão, sr. presidente.

-“Eu acho que não devo ser eu a dar explicações sobre isso… O presidente da câmara de Penafiel que pode fazer esses esclarecimentos”- Alexandre Almeida. presidente da câmara de Paredes, na Assembleia Municipal de Paredes, em 25 de junho de 2021.

O pior exemplo do que um presidente de câmara deve dizer sobre a instalação de um depósito de lixos orgânicos para tratamento no seu concelho. É como colocar a raposa como responsável pelo galinheiro depois de ter aberto as portas do dito.

Pior ainda a afirmação: “só uma parte do lixo é que será depositado na zona industrial de Baltar. O lixo reciclável continuará a ser tratado nos outros concelhos”.

Traduzindo: o “só” representa apenas mais de 80% dos lixos que a região produz. Pior, os lixos que provocam cheiros e outros elementos poluidores são os orgânicos. Ou seja, para Paredes vêm os lixos que só por decomposição são tratados. Os outros, os recicláveis, os lixos que não cheiram mal, esses ficam na sua origem. A lógica é uma batata.