“A vida é igual a andar de bicicleta. Para manter o equilíbrio é preciso manter-se em movimento”. A frase é do físico Albert Einstein e apesar de ter sido proferida no século XIX, pode aplicar-se aos dias de hoje, onde, cada vez mais, está provado que as competências adquiridas ao longo de anos de treino se transferem para além dessa esfera, servem para a vida.

A resiliência e a disciplina desenvolvem-se e, cada vez mais, as populações têm consciência da importância do exercício na promoção de hábitos de saúde que se traduzem numa vida melhor.

E resiliência é o que não falta aos mentores da Paredes/Fortunna, uma academia vocacionada para a formação do ciclismo que, em 2018, começou com dois atletas, mas, hoje, integra um total de 60 que podem ir dos seis aos 18 anos, incluindo ainda as categorias de paraciclismo e masters. Apesar de ter começado tímida tem vindo a crescer, porque os seus dirigentes nunca desistiram: “decidimos seguir o caminho em que acreditamos”.

A convicção foi transmitida ao Verdadeiro Olhar por Hélder Alves, o presidente da colectividade que não tem dúvidas em afirmar que o futuro da modalidade está na “formação de qualidade”. Para além disso, “o mais importante nestas idades é proporcionar às crianças e jovens “hábitos de vida sãos e fomentar o gosto pelo desporto”, quanto mais não seja, porque é uma forma de os “tirar de casa” e de os libertar dos ecrãs.

Um dado curioso é que esta colectividade integra miúdos de vários pontos do país, como Bragança, Vila Real, Albergaria, Coimbra, Arrifana, Famalicão, Vila Nova de Gaia, Porto e Paços de Ferreira. É claro que “juntar estes ciclistas para treinos conjuntos ou estágios é um pouco complicado, devido à distância”, mas “com o esforço dos atletas, dos pais e do clube”, tudo se consegue, frisou o dirigente.

Os que estão longe, têm um plano de diário que devem cumprir. Depois, de 15 em 15 dias, a Paredes/Fortunna tenta que todos se juntem “para percebermos o que está bem ou mal”. Para além disso, são supervisionados por um treinador nas cidades onde correm, contou o dirigente.

Ainda assim, “não podemos esquecer que não somos profissionais”, por isso, lutam e fazem o melhor que podem com os meios que dispõe. Porque não é fácil manter um grupo destes na estrada, a participar em competições. Mas esta organização tem a ‘fortuna’ de poder contar com as populações, amantes do ciclismo, assim como com apoios financeiros, de forma que o sonho partilhado destes dirigentes e atletas se traduza em realidade. Para isso, contribuem a “Câmara Municipal de Paredes, os patrocinadores e as empresas”, que fazem questão de estar ao lado desta estrutura.

Hélder Alves, Paredes/Fortunna

Mas esta modalidade não passa apenas por andar de bicicleta, porque nos estágios os miúdos adquirem conhecimentos em várias áreas como “mecânica, massagens, nutricionismo, psicologia, ética, entre outras”, o que leva o dirigente a dizer que esta modalidade não pode ser sinónimo de desporto de “duas rodas, vai muito para além disso”.

Já na estrada, o ciclismo é um espectáculo de sentimentos, de movimento, porque brilha, envolve velocidade, alegrias, tristezas, palmas e vaias, quedas que, por vezes, podem ser aparatosas, e contra-relógio.

Daqui a uns anos, alguns que agora correm pela Paredes/Fortunna podem tornar-se nomes sonantes. Hélder Alves, que também já foi ciclista e vê a modalidade como “uma paixão”, sabe que não serão muitos. “talvez apenas 5%” deste universo consiga vingar e tornar-se profissional, mas se esta equipa de Paredes conseguir detectar atletas de valor, tanto melhor, referiu ao Verdadeiro Olhar.

Mas nem tudo são facilidades, porque este tipo de colectividades debatem-se, de uma maneira geral, com a “carência de atletas”. A Paredes/Fortunna não é excepção e a pandemia aumentou esta vicissitude.

O município de Paredes tenta inverter esta situação, através, por exemplo, do Programa de Desporto Escolar e o Biciclar, que integra crianças das escolas do concelho, onde os mais pequenos desenvolvem as capacidades de destreza e equilíbrio para, consequentemente, aprenderem a andar de bicicleta. É uma grande “ajuda”, considera Hélder Alves, que é optimista e acredita que “a médio e longo prazo estas iniciativas escolares vão dar frutos”.

Uma outra contrariedade é que os “interesses dos miúdos são voláteis”, hoje querem ciclismo, amanhã já pretendem praticar outro desporto. Por isso, a Paredes/Fortunna permite um período de experimentação para perceberem se, realmente, “é isso que querem”, sendo certo que “não pode passar apenas por uma grande vontade dos pais, mas sim das crianças”.

E porque “o ciclismo é um desporto caro”, esta academia ajuda no que pode, mas tem sempre que existir um investimento dos atletas. Por isso, Hélder Silva aconselha a que, no início, “haja alguma contenção por parte dos pais”. As bicicletas podem ir dos “500 aos dez mil euros”, mas “uma mais barata dá para os primeiros tempos em que a criança pratica a modalidade”, referiu.

Mas, tudo somado, o resultado é francamente positivo, porque as contrapartidas que esta modalidade oferece são superiores aos gastos. Hélder Alves dá o exemplo da “camaradagem, do espírito de grupo, das regras e tomadas de decisão”, ensinamentos que este desporto transmite e que estes jovens vão carregar para toda a vida.

E quem conseguir manter-se na modalidade, transpondo-a para uma vida profissional, pode chegar a ser idolatrado, acarinhado e aplaudido, quem sabe na Volta a Portugal, um espetáculo único, onde vemos estes heróis a voar em cima de uma bicicleta, a comer pó e a limpar o suor, ladeados de público eufórico.

Os outros, pelo menos, daqui a uns anos vão continuar a pedalar pelos montes, estradas e ciclovias, apenas “para manterem uma vida saudável”. E, se assim for, todo o esforço da Paredes/Fortunna já valeu a pena.