Durante praticamente duas horas, trocaram-se acusações e lembrou-se o passado. A noite terminou com a proposta de recomendação apresentada pelo PSD para a rescisão do contrato por justa causa com a Be Water – Águas de Paredes, tendo por base “o grave e reiterado incumprimento” da concessionária, a ser rejeitada em Assembleia Municipal Extraordinária.

A Câmara mantém a intenção de avançar para o resgate e reequilíbrio da concessão, com um custo estimado de 22,5 milhões de euros. A meta é passar a gerir, a partir de 2022, a água e saneamento no concelho através de serviços municipalizados, realizando 33 milhões de euros de investimento na expansão das redes, com recurso a fundos comunitários.

O processo ainda aguarda a resposta da concessionária. Segue-se um parecer não vinculativo da ERSAR e o resgate terá depois de passar pela Assembleia Municipal.

“O pai desta privatização foi o PSD”

Depois de o PSD apresentar a proposta, a primeira intervenção coube à CDU. Cristiano Ribeiro anunciou desde logo o voto contra. “A água é um bem público e não uma mercadoria transacionável, parece que nisso agora estamos todos de acordo”, afirmou lembrando o processo de concessão. “Consideramos que este executivo tem condições políticas, jurídicas, financeiras e negociais para resolver este imbróglio”, adiantou ainda.

Para a CDU não há dúvidas. “O pai desta privatização foi o PSD”, sendo os antigos presidentes da câmara pelo partido, Granja da Fonseca e Celso Ferreira dois dos “padrinhos” do negócio. “Não deviam estar aqui a prestar esclarecimentos sobre os incumprimentos, as tarifas, os compromissos assumidos?”, apontou Cristiano Ribeiro.

Mais à frente, Albertino Silva, presidente da Junta de Parada de Todeia, pela CDU, juntou mais críticas. “Esta proposta mais não é que um ovo de serpente. A ser aprovada iria sair dali um monstro. Já se esperou demasiado tempo. Há muito que se promete água e saneamento para todos”, adicionou.

O mesmo aconteceu com outros presidentes de junta. João Gonçalves, da Sobreira (PS), alegou que a proposta do PSD significaria “trocar o certo pelo incerto” e poderia “ter custos elevadíssimos de natureza ambiental, financeira e económica”, ao contrário do resgate, “um expediente seguro, válido e vantajoso”. “Desculpem-me, mas estão errados. Esta questão deve unir-nos a todos”, disse.

Já Belmiro Sousa, autarca de Recarei (PS), considerou “vergonhoso” que nesta altura o concelho ainda não tenha cobertura total de água e saneamento e que último aditamento ao contrato proposto deixasse de fora as freguesias do sul do município. “Eu quero o saneamento. Tenho 57 anos. Será que não vou ver o saneamento chegar a Recarei?”, perguntou, afirmando que a solução do PSD iria arrastar o problema no tempo.

“Alexandre Almeida mostrou não ter capacidade negocial”

Pelo CDS, Jorge Ribeiro da Silva frisou que desde 2017 que o partido tem pedido a negociação de uma “saída limpa, que não trouxesse um avultado prejuízo para o município”. Lembrou depois a “longa novela de negociações” encetada pelo executivo socialista, que culminou com o anúncio de resgate. “Alexandre Almeida mostrou não ter capacidade negocial, tendo passado de uma negociação ou um acordo (que pelo que sabemos hoje, infelizmente nunca existiu e andou este tempo todo a iludir-nos) para o pior dos cenários, colocando agora o Município num processo de retaliação”, apontou. “Três anos depois temos o executivo a rasgar o contrato. (…) O que é que fez com que as negociações tenham conduzido à ruptura?”, perguntou o eleito do CDS. “Não teme o espírito de retaliação da Be Water depois de ter frustrado o espírito de negociação? Não acha que conduzir o município para uma cascata de processos judiciais será mais gravoso?”, acrescentou. “O senhor presidente optou pelo resgate para evitar o colossal aumento do preço da água em 2021, ano de eleições?”, instigou ainda. Mais à frente, na votação, o CDS justificou o voto contra a proposta do PSD e defendeu uma remunicipalização por mútuo acordo. “O CDS-PP vota contra porque esta recomendação assenta em estudos de uma consultora cujo trabalho para a Câmara de Mafra fez com que aquele executivo tivesse de pagar sete vezes mais o valor adiantado pela consultora, o que nos faz duvidar e muito da sua capacidade analítica”, porque não se consegue aferir se há ou não direito a indemnização por incumprimento, uma vez que houve incumprimento do contrato de ambas as partes.

Em nome do PS, Rui Silva começou por uma ressalva: em 2008 o PS votou contra o adiamento porque não resolvia o problema, reafirmando a promessa, não cumprida, de entrega dos subsistemas do sul do concelho, permitindo aumentos tarifários de 70% enquanto a concessionária cumpriu 10% do investimento acordado e continuam freguesias sem água e saneamento. Já a proposta mais recente de aditamento da Be Water, lembrou, excluía as freguesias do sul do concelho e só previa investimentos de 2,5 milhões de euros até ao fim da concessão, acompanhada de aumentos tarifários. Por outro lado, disse o eleito, o estudo de viabilidade económica dos serviços municipalizados mostra que é possível fazer os investimentos acedendo a fundos comunitários. “A única solução era o resgate” por 22,5 milhões de euros com recurso a financiamento bancário a 20 anos, argumentou. “O PSD vem agora dar a mão à palmatória e assumir um erro do passado”, referiu ainda.

“Temos de penalizar quem nos prejudica e quem viola os contratos”

“Será que leram o contrato? Tiveram tempo?”, comentou Manuel Gomes, pelos social-democratas. Sustentou depois que o contrato dava ao executivo socialista poderes de fiscalização. “Quantas notificações enviaram à Be Water? Se não executasse nos termos da lei podiam executar as tarefas e imputar os custos à empresa. Sabiam disso?”, questionou, dizendo que podiam ter sido aplicadas penalidades e executada a caução do contrato. “Chega de sacudir a água do capote. Já passaram três anos. Querem dar um prémio de 22 milhões de euros a quem não cumpriu”, atirou o eleito do PSD.

Também Soares Carneiro, líder da bancada, apelou ao fim dos incumprimentos da Be Water.  “Temos de penalizar quem nos prejudica e quem viola os contratos”, frisou. A seguir, chamou a Alexandre Almeida “malabarista dos números”. “Anunciou que o resgate ia custar 22,5 milhões de euros. Ou não sabe do que está a falar ou está a enganar os paredenses”, acusou. Segundo o social-democrata, um dos artigos do contrato refere que a câmara, no processo de resgate, tem de assumir a dívida da concessionária, sendo que a dívida a 31 de Dezembro de 2019 era de 17,1 milhões de euros. “Mais o resgate são quase 40 milhões de euros, um prémio pelas falhas e incumprimentos da Be Water”, criticou, exigindo que fosse tomado outro caminho e pedida uma indemnização.

Na resposta, Alexandre Almeida não deu respostas, mas deixou uma garantia: “Não há outro caminho que não o resgate”. “Em 2001 e 2008 o PSD escolheu o caminho errado e agora queriam voltar a segui-lo. O resgate vai permitir que façamos os investimentos em água e saneamento que a Be Water se recusa a fazer e aceder a fundos comunitários”, alegou o presidente da Câmara. Além disso, vai permitir controlar as tarifas de água e saneamento cobradas e cobrir todo o território com esses serviços, defendendo os interesses dos subsistemas.

Uma indemnização decidida pelo tribunal “não teria limites”

“No resgate não se paga indemnização, mas uma compensação estabelecida em contrato, pelos investimentos que a empresa fez em redes, viaturas, máquinas, que vamos agora receber para os serviços municipalizados, e pelas receitas que vai deixar de ter nos próximos anos”, justificou. Já uma possível indemnização decidida em tribunal “não teria limites”, iria adiar a água e saneamento no concelho por mais 10 anos.

Alexandre Almeida referiu ainda que o Orçamento de Estado para 2021 reconhece a necessidade do resgate de concessões e que “o Fundo de Apoio Municipal está disposto a financiar o valor de resgates, e não de resoluções, até 35 anos”. “Este é o momento”, garantiu.

A proposta foi rejeitada com 26 votos contra, do PS, CDU e CDS, assim como do presidente de Junta de Louredo, eleito pelo PSD. Houve ainda 15 votos a favor do PSD e duas abstenções de dois presidentes de junta eleitos pelo partido: Duas Igrejas e Lordelo.

José Borges, autarca de Louredo, que nos últimos meses não segue as votações do partido, já tinha explicado porquê. “Houve incumprimentos de parte a parte. A rescisão por justa causa significa ir para tribunal e demoraria anos, acarretando prejuízos para os paredenses”, defendeu, referindo que o resgate iria permitir avançar com a municipalização do serviço, levando mais rapidamente a água e o saneamento a todos. Já Nuno Serra, de Lordelo, disse querer dar “o benefício da dúvida ao executivo”. “Mas esta Assembleia não me esclareceu de nada. Aos paredenses não interessa o passado, interessa o daqui para a frente, se as infra-estruturas vão ser feitas, quando, se o preço da água vai aumentar e para quando a cobertura em todas as freguesias”, alegou.