Aires Montenegro, residente na cidade de Gandra, Paredes, é um dos seis tocadores (entre executantes e aprendizes) do país de Nyckelharpa, instrumento tradicional musical da Suécia.

Ao Verdadeiro Olhar, Aires Montenegro destacou que aprendeu a tocar a Nyckelharpa por influência de um professor de violoncelo no Conservatório de Música de Paredes.

“O meu primeiro contacto com o instrumento foi ver o Sérgio Calisto a tocar na apresentação do meu romance ‘Diria o Maestro’, no Porto. Mas a primeira vez que toquei numa nyckelharpa foi num workshop com o Marco Ambrosini, na Escola Superior de Música e Artes do Espectáculo, no Porto. Foi amor à segunda vista! Isto foi em Março de 2014. Inscrevi-me logo nos International days of the Nyckelharpa, na Alemanha, onde frequentei o curso de iniciantes com a Jule Bauer”, disse, frisando que todos os anos participa neste encontro internacional, que acontece em inícios de Outubro.

O instrumentista que é, também, escritor e que vai apresentar, este sábado, na Casa da Cultura o seu mais recente romance, “Tristeza Solene”, avançou que o contacto posterior com os melhores executantes do instrumento despertou-lhe a curiosidade e fê-lo querer continuar a conhecer melhor a Nyckelharpa.

“Já frequentei cursos de música tradicional sueca, tradicional do centro da Europa, música medieval e renascentista da Península Ibérica. Desde aí a nyckelharpa tem sido uma bela companheira”, afiançou.

Aires Montenegro realçou, também, que a Nyckelharpa é um instrumento ímpar com uma sonoridade diferente que a distingue dos demais instrumentos de corda.

“O facto de ter teclas, chaves, com as quais se pressionam as cordas, faz com que seja um instrumento com afinação fixa. Aliás nyckel, em sueco, significa chave, e harpa cordofone. Nyckelharpa é assim um instrumento de cordas com chaves. Os italianos chamam-lhe viola d´amore a chiavi”, adiantou, salientando que a Nyckelharpa possui, também, 12 cordas de ressonância, ou simpáticas, para além das quatro melódicas (como o violino).

Falando das dificuldades em manusear o instrumento, Aires Montenegro reconheceu que são idênticas às de um instrumento de corda friccionada: dedilhação com a mão esquerda (neste instrumento, nas teclas) e o arco na mão direita. “O mais complicado talvez seja o arco”, acrescentou.

Instrumento quase desconhecido na região

Apesar da expressão e da visibilidade que a Nyckelharpa tem já no estrangeiro, Aires Montenegro, ex-professor de Filosofia, recordou que em Portugal, e até mesmo na região do Vale do Sousa e Tâmega, o instrumento está aquém da visibilidade que tem em países como França, Alemanha e Itália. “Estamos numa fase de divulgação que não tem sido fácil”, disse, referindo que, apesar das dificuldades, organizou, em 2015, o  1.º Encontro Nacional de Nyckelkharpas, que decorreu em Paredes, e tem tocado o instrumento em apresentações de livros e eventos vários, como por exemplo nas comemorações do centenário do Foral de Baltar.

Também com o propósito de dar a conhecer a Nyckelharpa, o docente de Filosofia esclareceu que fez este ano uma workshop no Conservatório de Música de Paredes e integra a turma de tradições – música tradicional da Universidade Sénior de Valongo.

Referindo-se, ainda, às dificuldades para implementar o instrumento na região, Aires Montenegro, lamentou que o 1.º Encontro Nacional de Nyckelkharpas não tenha tido continuidade e invocou mais apoio por parte das entidades competentes.

“No primeiro encontro apenas tivemos a cedência da Biblioteca e a elaboração dos cartazes para o encontro. Neste encontro foi realizada, entre outras actividades, uma exposição com instrumentos construídos por alguns dos maiores luthiers mundiais, estiveram presentes músicos e construtores da Galiza, mas não esteve nenhum elemento da autarquia. Também a comunicação não funcionou. No ano passado e este ano não consegui realizar o encontro uma vez que não queria repetir o relativo fracasso do primeiro. Preparei tudo para ter cá a presença de um monstro sagrado: o Marco Ambrosini, o que traria também mais gente da Espanha. Elaborei um orçamento que rondava os 1.500 euros, o que não é nada para um músico desta envergadura e a autarquia apenas disponibilizou alojamento e alimentação. Não foi possível. Não organizei, mas não desisti. Já estou a preparar o 2.º Encontro Nacional de Nyckelkharpas em 2018”, assegurou.

Apesar de todos os reveses, Aires Montenegro acredita que existem condições para implementar definitivamente este instrumento na região e formar jovens.

“Existem poucos professores, mas há um professor do Conservatório de Música de Paredes, o Sérgio Calisto, o meu mestre que pode dar um contributo decisivo. Tenho contactos com toda a Europa da nyckelharpa, essencialmente na Suécia, Alemanha, Itália e França. Conheço pessoalmente os grandes mestres internacionais como o Marco Ambrosini,  um virtuoso, maestro, compositor, Didier François, Magnus Hölstrom, Sue Ferrers, que estará no Porto em Janeiro e com quem estou em contacto para a realização de um concerto em Gandra, que está a ser preparado”, confessou, reiterando que é existindo mais apoio, o projecto para a implementação da nyckelharpa tem condições para frutificar.

“Em Gandra, estive duas tardes com os miúdos de um ATL da Junta de Freguesia e os miúdos foram de um entusiasmo incrível, o que me deixou triste por causa da minha impotência em dar-lhes mais. Este é um caminho muito longo e difícil, mas eu não desistirei”, concretizou.

“Tristeza Solene” terceiro romance de Aires Montenegro apresentado na Casa da Cultura de Paredes

“Tristeza Solene”, o terceiro romance de Aires Montenegro é apresentado, este sábado, na Casa da Cultura de Paredes com apresentação de Maria Helena Padrão.

O livro tem como pano de fundo um lar e como personagem principal um professor que passa o tempo  “a tecer recordações esfarrapadas, que vai depois espalhando pela intimidade de um diário, na ilusão de que a vida lhe possa revelar ainda algum sentido original”.

“Uma manhã acorda com um problema de incontinência urinária, o que lhe provoca uma impressão muito forte de decadência, como ele confessa “…sentir o corpo desajustado é partir-se-me a alma e descobrir o que há muito adivinhara: a alma destroça-se nos destroços do corpo”. “Ao tempo que escreve um Diário, tece recordações esfarrapadas sobre um tempo que lhe foi marcante: um amor proibido, as eleições de 1958, o sonho da escrita de um romance sobre Giordano Bruno. No Lar, uma dia aparece um novo hóspede que vem a descobrir ter fundas ligações ao seu passado. Perpassa pelos últimos dias do velho professor como que uma tristeza solene que o acabrunha e ao mesmo tempo o inebria”, atestou o autor numa referência à obra que vai ser apresentada.

A obra é publicada com chancela da Idioteque e tem uma tiragem média de 500 exemplares.

Ao nosso jornal, Aires Montenegro revelou que foi a tentação de iludir a limitação temporal da vida que o levou a escrever este seu terceiro romance.

“Este, além de contos e poesia, é o 3.º romance que publico. Escrever é-me a forma possível de iludir a limitação temporal da vida. Se tivesse garantida a vitória sobre a morte, decerto não precisava de escrever. O filósofo Soren Kierkegaard disse que escrever era sintoma de fracasso. Pois, se fosse ma pessoa plenamente realizada decerto que não escreveria. Escrever é assim uma forma de realização pessoal”, constatou, recusando a ideia de que esta obra é autobiográfica. “Tudo aconteceu, ou terá acontecido, quase assim. Neste quase, porém, está toda a distância que vai das memórias à ficção. Por exemplo, vivi em Moimenta da Beira, mas nunca tive um tio ou padrinho escritor”, garantiu, confessando que da concepção à execução do romance demorou a preparar este seu último trabalho mais ou menos um ano meio.

Imagem do livro “Tristeza Solene”

“Não quero tentar iludir o leitor com a ideia de que lhe estou a mostrar uma história real que aconteceu. Quero que o leitor seja parte integrante do romance, que lhe seja possível também participar na construção do romance”

Sobre as dificuldades que teve de superar para fazer este seu terceiro romance, Aires Montenegro reconheceu que a maior foi a organização da estrutura.

“Não queria um romance linear, não queria uma descrição da realidade. Para já, não é possível transmitir o real através de palavras, são duas realidades diferentes. Quando dizemos a realidade, estamos já a construir uma outra realidade. Não quero tentar iludir o leitor com a ideia de que lhe estou a mostrar uma história real que aconteceu. Quero que o leitor seja parte integrante do romance, que lhe seja possível também participar na construção do romance. Por isso não dou tudo ao leitor, não o quero um receptor passivo. Um romance só fica completo com a leitura de alguém. Ora, não quero que esse alguém que me venha a ler seja um sujeito passivo, quero que participe também na construção dessa realidade escrita que lhe proponho. Por isso mesmo, sei que não é um livro fácil, que exige muito do leitor, que muitos leitores poderão desistir perante este desafio, mas é assim que eu sou escritor”, adiantou.

Ao Verdadeiro Olhar, o autor recordou, ainda, que está a trabalhar em vários projectos de romance. “Escrevo todos os dias. Também toco música todos os dias, mas há uma diferença fundamental: a música serve para preencher o meu espaço e o meu tempo, a escrita serve para preencher tudo o que sou ou não sou fora do espaço e do tempo. A escrita é a arma com que desafio a eternidade!”, asseverou.

Aires Montenegro nasceu em 1948, em S. Martinho das Chãs, concelho de Armamar, distrito de Viseu. Reside em Gandra, Paredes. Foi professor de Filosofia em vários liceus e escolas secundárias, tendo concluído a sua carreira na Escola Secundária Daniel Faria, de Baltar, em Paredes, onde leccionou mais de vinte anos.

O seu interesse pela música levou-o também frequentar o Conservatório de Música do Porto.

Estreia-se na literatura, em 2004, com o livro de poesia ‘Sagrado Letes’. Seguem-se os livros ‘A Última Emboscada’ (conto), ‘Último Nocturno’ (romance), ‘Oferenda Oriental’ (poesia) e ‘Diria o Maestro’ (romance). ‘Tristeza Solene’ é o seu mais recente romance.