Um em cada dez bebés nasce prematuro, ou seja, com menos de 37 semanas de gestação. Há depois vários níveis de prematuridade, com casos extremos em que os recém-nascidos pesam menos de um quilo ou pouco mais que isso.

Para os bebés e para os pais é o início de uma luta diária e que pode durar vários meses. São tempos de aprendizagem, de receios, de pequenas conquistas e de criação de laços, entre pais e filhos, e também com os muitos médicos e enfermeiros que partilham com eles o dia-a-dia.

No dia em que se assinala o Dia Mundial da Prematuridade, 17 de Novembro, conheça os casos de pais de bebés que nasceram cedo demais e passam os dias no internamento da Unidade de Neonatologia do Hospital Padre Américo.

“Nunca pensamos que iam nascer tão pequeninos. Foi um choque vê-los entubados e com estes fios todos”

Quando crescerem, o Salvador e o Santiago vão ter várias histórias para contar. Como a história do dia em que a mãe foi transferida de Bragança para Vila Nova de Gaia mas teve que parar pelo caminho, em Penafiel, para dar à luz no hospital Padre Américo. Ou a história de como nasceram com pouco mais de 1,3 quilos e passaram os primeiros dias de vida rodeados de fios e máquinas até poderem ir para casa.

Esta quinta-feira, os primeiros filhos de Susana Costa e Emanuel Nascimento, residentes em Macedo de Cavaleiro, eram os mais pequenos da Unidade de Neonatologia do Hospital Padre Américo. Nasceram com apenas 29 semanas de gestação.

“Tudo parecia estar bem até que comecei a perder líquido amniótico. Estava no hospital em Bragança e fui encaminhada para o Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho, mas tivemos que parar pelo caminho”, conta a jovem mãe de 31 anos. Nasceram há 10 dias e, desde então, os pais só foram a casa uma noite para buscar roupas. Todo o tempo tem sido passado em torno das incubadoras que mantêm os filhos confortáveis e monitorizados. “Só vamos a casa para dormir”, sustentam.

Os pais não escondem que foi “um choque” ter um filho tão prematuro. “Nunca pensamos que iam nascer tão pequeninos. Foi um choque vê-los entubados e com estes fios todos. Ninguém imagina que pode acontecer a nós”, confessam.

A gravidez foi planeada, não esperavam gémeos mas rapidamente se habituaram à ideia. Mas o nascimento apressado dos meninos interrompeu qualquer plano, de acabar o quarto a tempo, de irem logo para casa, de pegarem nos filhos ao colo logo depois de nascer. “Só pegamos neles dois dias depois. Custou não poder pegar neles ao colo quando nasceram e custa vê-los debilitados e frágeis e não poder pegar neles”, assumem Susana e Emanuel. Isso não impede que estejam permanentemente envolvidos na alimentação e cuidados aos filhos e que o acto de tocar nos bebés sejam permanentes, para se irem conhecendo.

O amor e o carinho estão sempre lá. O receio também. “Há um bocadinho de receio em lidar com bebés tão pequenos. Achamos que são sempre muito frágeis, apesar de se estarem a mostrar fortes. Mas as enfermeiras estão sempre presentes e respondem a todas as perguntas”, garantem.

“Têm sido dias de muita aprendizagem. Não sabemos quanto tempo vamos ficar no hospital. Gostávamos de poder celebrar o Natal com eles em casa”, admitem.

“É tudo muito novo para nós e a dobrar. E são tão pequeninas… Parece que até temos medo de mexer”

Ao lado estão mais gémeos. Desta vez um casal de meninas, a Clara e a Carolina. Também elas resolveram vir ao mundo antes do tempo. Têm um peso bem acima de Salvador e Santiago: 2,040 quilos e 2,220 quilos. Estiveram no útero da mãe até às 36 semanas, o que lhes permitiu um melhor desenvolvimento.

Helena Oliveira (32 anos) e Bruno Pinto (33 anos) são do Marco de Canaveses. Também são pais de primeira viagem e também eles não idealizaram um nascimento assim, embora antecipassem que, sendo gémeos, havia o risco de um nascimento prematuro.

“Fui internada às 33 semanas e tiveram que nascer mais cedo porque, desde aí, não houve grande alteração no peso”, conta a mãe. “Nunca tínhamos lidado com bebés tão pequenos e uma delas teve que estar com máscara de oxigénio. Vê-la com esses tubos todos assustou um bocado”, relata.

As meninas nasceram de manhã e a mãe, que fez cesariana, só à noite as conseguiu vir ver com mais calma. “Era diferente ter um bebé e tê-lo logo no peito depois do parto. Faltou esse miminho”, lamenta. Só dois dias depois puderam pegar na Carolina ao colo.

Tratar deles, é simples, mas é uma aprendizagem, garantem. “Já medi a temperatura, troquei fraldas e vi como se fazem as massagens”, diz o pai. “É tudo muito novo para nós e a dobrar. E são tão pequeninas… Parece que até temos medo de mexer”, acrescenta a mãe.

Também não sabem quando vão os quatro para casa. “Vamos com calma, um dia de cada vez. É esperar. O objectivo é que fiquem boas e só depois irmos para casa”, sustentam os pais.

“Na Vitória ainda peguei ao colo. A Valentina foi logo levada depois do parto”

E como não há duas sem três, no internamento estão também as gémeas Vitória e Valentina. A falta de espaço na unidade levou as meninas, as filhas de Jacinta Leal e Luís Durães, a nascer em Vila Nova de Gaia, às 34 semanas de gestação. Foram entretanto transferidas para o Hospital Padre Américo.

A pequena Vitória tem 1,980 quilos e já saiu da incubadora. A irmã, Valentina, pesa apenas 1,505 quilos. As previsões apontam para que a primeira tenha alta em breve, enquanto a segunda terá que ficar em observação, para ganhar peso e autonomia a mamar, durante mais tempo até que possa ir para casa com os pais, antecipa a mãe.

Depois da surpresa por irem ter gémeos, a gravidez foi normal. Jacinta já esperava que as filhas nascessem antes do tempo, mas não tão pequenas. Até porque tem um termo de comparação, uma filha com 18 anos que pegou logo ao colo e que levou para casa nos dias seguintes. “Na Vitória ainda peguei ao colo. A Valentina foi logo levada depois do parto”, recorda.

“Lidar com bebés tão pequenos não é fácil. É preciso ter muito cuidado e parecem um vidro que pode partir. As enfermeiras fazem isto de olhos fechados, mas nós não”, explica Jacinta. Luís tem uma visão diferente: “tem sido fácil e estou empolgado. Já mudei fraldas, dei leite pela sonda e pelo biberão e já peguei na Valentina várias vezes. Não tenho medo”.

Para o pai, há um lado bom nisto tudo, o facto de estarem a aprender a lidar melhor com as bebés antes de irem para casa. “Já que estamos aqui, aprendemos”, sustenta.

Enfermeira já cuidou de centenas de bebés prematuros e não esquece alguns

Teresa Santos Pereira, enfermeira há 24 anos e há 16 anos nesta unidade já perdeu a conta aos bebés prematuros que conheceu e apoiou. Centenas, garantidamente.

Mas a enfermeira chefe do serviço de Neonatologia não esconde que há casos que marcam mais que outros, apesar de todos serem especiais. “Cada bebé e cada família são diferentes e casos únicos. Mas tivemos aqui um bebé que chegou aos 500 gramas. Chama-se Cristiano e está lindo, nasceu a 13 de Agosto e fez três anos agora. Vem-nos visitar de vez em quando. Há bebés que ficam sempre como referência”, admite.

Enfermeira Teresa Santos Pereira

“A dedicação é igual para todos enquanto cá estão, mas a nossa memória vai guardando alguns”, explica, dizendo que o grande objectivo humanizar o mais possível a assistência prestada.

Os laços criados perduram. “Há pais que vêm cá visitar-nos e mostrar-nos as crianças, mesmo quando já não estão a ser seguidos nas consultas. Temos pais que já cá têm vindo celebrar aniversários do filho. Ainda este Verão vieram cá”, dá como exemplo.

Habituada a ver os pais aprenderem a lidar com estes bebés com baixo peso, Teresa Santos Pereira diz que o medo se vai perdendo ao longo do tempo. “Numa fase inicial é intimidatório para os pais mexer num bebé tão pequenino. É isso que verbalizam mais. Depois, à medida que vão aprendendo a tocar, a mexer, a trocar uma fralda, o medo vai-se perdendo, até porque nunca estão sozinhos. Cada pai e cada mãe têm o seu tempo”, refere.

Os bebés só vão embora quando cumprem alguns critérios, como ter perto de 35 semanas, um peso de cerca de dois quilos e ter capacidade para se alimentar, e também quando sentem que os pais “estão aptos a cuidar do bebé em casa”. “Quando conseguem alimentar o bebé ou amamentar, cuidar da higiene e conforto e realizar todos os cuidados básicos, além de dar todo o amor e carinho que é preciso”, diz a enfermeira.

O tempo de permanência depende da condição de saúde de cada bebé. Quanto mais prematuro for, mais tempo vai ficar à partida. “Alguns ficam dois meses ou dois meses e meio. Outros ficam só 15 dias ou três semanas”, exemplifica.

Projecto Crescer com Afectos procura humanizar cuidados

Filipa Miranda, médica de Neonatologia

Foi para humanizar ainda mais os cuidados na Neonatologia que nasceu, em 2015, o projecto “Crescer com Afectos”. “Os pais de prematuros acabam por passar cá muitas semanas, cria-se uma ligação forte e temos que tentar ajudá-los neste período”, defende Filipa Miranda, médica desta unidade.

Este projecto junta várias técnicas que são utilizadas noutras instituições e países, adaptando-os à realidade deste hospital. “Incentivamos técnicas de toque, porque o bebé está dentro de uma caixa cheia de aparelhómetros e algumas vezes é difícil para os pais saberem o que fazer. Os bebés são colocados em ninhos e capas adaptadas da incubadora à nossa unidade e também são colocados no peito dos pais com método canguru, envolvidos numa faixa, porque isso ajuda ao desenvolvimento e a que fiquem mais tranquilos”, explica.

Por outro lado, enquanto estão na unidade e mesmo depois da alta os pais e irmãos dos bebés têm acesso a um serviço de psicologia. Para os irmãos pequenos existe ainda um apoio diferenciado. “São acompanhados quando vêm às visitas, fazem desenhos, trazem fotos para colocar na incubadora, para se sentirem valorizados e estimular a ligação ao bebé. Também damos bonecas de arroz que são cheias com o peso correspondente ao do bebé prematuro e são dadas aos irmãos para cuidar. Alguns dormem com a boneca e põem-na no carrinho. Quando o irmão vai para casa já vão ter essa ligação e responsabilidade”, acredita a médica.

No âmbito do Crescer com Afectos, cada bebé prematuro recebe ainda um polvo em croché, que tem por base um projecto dinamarquês. “Os tentáculos do polvo assemelham-se ao cordão umbilical e a cabeça do polvo à textura do útero materno. Isso ajuda a que se sintam mais confortáveis no ambiente da incubadora”, defende Filipa Miranda. Estes polvos são feitos por voluntários, sendo que a maior contribuição vem dos seniores da Santa Casa da Misericórdia de Amarante.

Depois de os bebés terem alta, os pais são convidados a fazer um curso de massagem infantil onde podem também discutir temas sobre a parentalidade e tirar dúvidas. Para ajudar nesse sentido o projecto tem também um guia de apoio aos pais, uma página de Facebook e um website que podem consultar para obter informações ou colocar questões.

Prova de que as relações criadas com estes pais se mantém é a realização de um almoço que junta quem já viveu esta experiência, diz a médica. O próximo, o terceiro consecutivo, acontecerá no dia 25 de Novembro. No último participaram cerca de 80 pessoas.

Para divulgar o Crescer com Afectos está patente no átrio do hospital uma exposição sobre o projecto no âmbito do Dia Mundial da Prematuridade.

Pais também são prematuros

Todos os anos cerca de 15 milhões de bebés nascem antes do tempo, estima a Organização Mundial de Saúde. São considerados bebés prematuros ou pré-termo, todos os bebés que nascem antes das 37 semanas de gestação.

Depois, o nível de prematuridade depende do peso e do tempo de gestação. Isso vai condicionar as possibilidades de sobrevivência e a existência de sequelas futuras. Abaixo dos 1.500 gramas os bebés são considerados de muito baixo peso e abaixo de 2,5 quilos são prematuros de baixo peso.

Em 2016, nasceram em Portugal 87.126 bebés, com uma taxa de prematuridade a rondar os 8%.

No Hospital Padre Américo, o terceiro onde nascem mais bebés no Norte do país, nasceram 2.460 crianças no ano passado. Desses bebés, 150 eram prematuros, mas só 77 ficaram internados na unidade de Neonatologia, explica o coordenador, António Braga da Cunha. “Os prematuros com idades mais próximas do termo e com boa condição clinica ficaram junto das mães”, refere o médico. Em média, os internamentos duraram um a dois meses.

Nesta unidade hospitalar, com capacidade para 12 recém-nascidos, são tratados sobretudo os casos de bebés com idade gestacional acima das 28 semanas ou mais de um quilo de peso. “Quando a idade gestacional das gravidezes indica que o recém-nascido pode precisar de cuidados que não possam ser prestados no Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa, são transferidos antes de nascer, sempre que possível, para hospitais de apoio perinatal diferenciado”, como o Centro Materno Infantil do Norte ou o Hospital de São João, adianta o coordenador do serviço de Neonatologia.

O número de nascimentos de bebés prematuros tem estabilizado no CHTS. Segundo médico os factores que podem levar à prematuridade são múltiplos e é preciso, sobretudo, uma boa vigilância da gravidez e que sejam seguidos os conselhos dos profissionais de saúde.

Para os pais a reacção é, tipicamente, de choque. “A primeira reacção dos pais é de choque, de medo pelo que possa acontecer ao seu filho. Pelo medo de que venha a ter complicações mais tarde na sua vida. Medo de que não consiga ser ‘normal’, na vida social, escolar, profissional. O risco é maior quanto mais prematuro o filho é ao nascer”, sustenta o médico.

António Braga da Cunha, que lida com bebés prematuros desde 1986, altura em que fazia formação na especialidade, adianta que os primeiros meses são os mais preocupantes. “Ainda não sabemos como vão evoluir. Para os pais é uma aprendizagem continua. Habitualmente ninguém sonha ou pensa que o seu filho vai nascer ‘antes do tempo’. Todas as mães presumem que vai a gravidez vai correr bem. Por isso, estes pais são pais prematuros. Também vão aprender a vencer os seus medos e aprender a lidar com um filho mais frágil do que esperavam. Após a ida para casa são novas aprendizagens. Conhecer e cuidar do filho sem a protecção do hospital”, resume.

Daí a importância de o hospital continuar a apoiar estes pais com projectos como o Crescer com Afectos.

Ser prematuro já não é igual a ter sequelas, mas útero materno continua a ser a melhor incubadora

Edite Tomás, directora do Serviço de Pediatria

Há cerca de 26 anos a trabalhar com bebés, Edite Tomás é directora do Serviço de Pediatria desde há um ano.

A médica recorda-se bem dos tempos em que os prematuros eram transferidos para outras unidades porque não havia cuidados adequados nesta unidade hospitalar. “Felizmente mudou e, desde 2003, que passamos a ter uma unidade de cuidados intensivos neonatais que é uma mais-valia. Passamos a ter então dois sectores, o da Pediatria e da Neonatologia, com pessoas diferenciadas na área da Neonatologia o que é importantíssimo para assegurar cuidados adequados no tempo certo. Isso diminui a mortalidade infantil e a morbilidade também”, defende.

Para Edite Tomás, é importante que sejam tomadas atitudes para que estes prematuros tenham o melhor tratamento possível e a melhor evolução, diminuindo o peso da prematuridade e os seus riscos. “Queremos que consigam crescer sem grandes sequelas, coisa que até há alguns anos atrás não víamos. Víamos prematuros com muito má qualidade de vida e muitas sequelas. Hoje ser prematuro já não é igual a ter sequelas”, afirma, garantindo, no entanto, que “o útero materno continua a ser a melhor incubadora”.

Até Junho de 2017 já nasceram 1.102 bebés no Hospital Padre Américo, um número que antevê a continuação do crescimento do número de recém-nascidos nesta unidade desde 2014. “É bom que a natalidade esteja a aumentar, mas isso implica que seja necessário ter profissionais em número suficiente para dar resposta a estas situações”, sustenta a médica.

Segundo a directora do Serviço de Pediatria, a luta tem trazido um maior número de médicos para o serviço nos últimos dois anos. “Temos 11 médicos, três dispensados do serviço de urgência e dois do serviço nocturno e há uma médica em formação. Temos um problema ainda na enfermagem e com vários com equipamentos. Mas temos tido boas respostas para superar estas dificuldades e já estamos melhor”, conclui.