O medir antigo

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Fernando Sena EstevesAs medidas antigas tinham um toque especial de encanto e mistério, quase poético. Desde logo pelos nomes e pela alegre anarquia das suas dimensões. Veja-se, para começar, o alqueire, nome com origem árabe, como tantos vocábulos começados por “al”. Usou-se o alqueire em Portugal durante muitas centenas de anos. Bem me lembro de ver na aldeia medir o milho com essa espécie de caixa de madeira sem tampa que se enchia na tulha do cereal para o vender. Não me lembro é da sua capacidade, que variou ao longo dos séculos e conforme as regiões, podendo referir-se a volumes desde 13,1 litros no litoral entre Aveiro e Lisboa até aos 18,8 litros em Lisboa. Isto no séc. XIX, porque uns três séculos antes D. Manuel estabeleceu o alqueire de Lisboa, com 13,1 litros, como um padrão para todo o reino, e D. Sebastião até enviou para as principais cidades alqueires de bronze com essa medida, o que não impediu que subsistissem outras medidas por toda a parte.

Das medidas poéticas de comprimento só me lembro da légua, para a qual também há vários valores à volta dos cinco quilómetros. Nada que se compare à alegre confusão de 12 polegadas por pé e três pés por jarda que persiste nos Estados Unidos e no Reino Unido, apesar das suas boas intenções métricas. Até há pouco tempo, as fitas métricas tinham metros e as suas sub-unidades, mas sempre na companhia das polegadas, às quais se concedia o lado… de cima, pois claro, o de observação mais fácil. Mas devo confessar que, por mais que embirrasse com a altitude dos aviões expressa em pés, ainda agora prefiro a medida antiga para a pressão dos pneus em 30 “PSI — pounds per square inch”  (libras por polegada quadrada) aos 2,1quilogramas por centómetro quadrado.

Por falar em fitas métricas, ainda gostava de saber como é que um fabricante das ditas encontra o padrão para as aferir. Os Franceses inventaram o metro em fins do séc. XVIII. Deram-se ao trabalho de medir a distância de Barcelona a Dunquerque, cidades localizadas no meridiano que passa por Paris. Daí extrapolaram o comprimento total de um meridiano terrestre, tendo definido o metro (palavra que deriva do Grego para “medida”) como a fração de 1/40000000 de um meridiano terrestre. O metro padrão era a distância entre duas marcas de uma barra de platina. Agora, no entanto, define-se o metro como o comprimento do trajeto percorrido pela luz, no vácuo, durante um intervalo de tempo de 1/299792458 de segundo. Daqui a minha dúvida sobre o procedimento dos tais fabricantes de fitas métricas….

São talvez as medidas antigas de volume para líquidos as que têm mais fantasia nas variações e até nos nomes. Veja-se, por exemplo, o almude (nome de origem árabe, claro). Sempre acreditei que valia 25 litros e recordo com saudade os odres de pele de cabra que serviam para o transporte de vinho. Um par de odres desses no lombo de um burro dava um transporte artesanal de 50 litros de vinho, com um máximo de simplicidade. Só que descobri que havia, entre outros, o almude de Lisboa com 16,45 litros e o do Porto com 25,08 litros. Daqui pode nascer alguma confusão quando se estabeleceu que uma pipa se enche com 25 almudes. É que no Douro a pipa leva 550 litros e na região do vinho verde apenas 500. Quer dizer, exceto nas terras de Basto, onde tem 600. Depois vem o quartilho com 1/48 do almude. E tudo isto me causa alguma sede que talvez preferisse apaziguar recorrendo, não a um quartilho de vinho, mas talvez à cerveja de uma imperial (Lisboa), isto é, um fino (Porto). Ou até, para evitar mais ambiguidades, uma caneca.