Foto: Fernanda Pinto/Verdadeiro Olhar

“Era minha vontade trabalhar pelo desenvolvimento e aumento da qualidade de vida das pessoas de Gandra, mas não me deixaram”. O lamento foi de José Mota que, ontem, renunciou ao mandato de presidente de Junta da Freguesia de Gandra por motivos pessoais e políticos, “com tristeza, desolado e com vontade de chorar”.

Numa Assembleia de Freguesia que atraiu dezenas de habitantes ao Centro Pastoral e Paroquial de S. Miguel de Gandra, o autarca apresentou os motivos que o levaram a abandonar o cargo. Falou em divergências e explicou que não aceitou “vender” a terra. “Gandra é o meu partido”, sentenciou.

Em causa, uma reunião a que foi convocado na Câmara Municipal para debater o litigio por um terreno que existe com a Junta de Recarei. O presidente da Câmara, Alexandre Almeida, terá alegadamente apelado à concórdia, dizendo que aquele terreno “também era de Recarei”, apesar de a decisão de um recurso de uma providência cautelar apontar a Junta de Gandra como proprietária. “Não aceitei que Gandra, a minha terra, fosse prejudicada. Abandonei essa reunião e, por isso, perdi a confiança política do presidente da câmara. Ele disse-me de caras, ‘se abandonar a reunião perde a minha confiança política’”, assegura José Mota, que acusa o edil de se colocar ao lado de uma freguesia. Também estranha que, depois deste desacordo, o autarca não lhe tenha sequer ligado para o tentar demover da decisão de renúncia.

Foto: Fernanda Pinto/Verdadeiro Olhar

“Que fique bem claro: não estou a demitir-me por causa da água. A água não vai sair daqui, a água é nossa”

Nesta Assembleia de Freguesia não foi permitida a intervenção do público, apesar do apelo da bancada do PSD – que também não teve direito a falar sobre o tema -, visto que isso não estava previsto na ordem do dia. O ponto sobre a renúncia não estava aberto a discussão nem a votação, alegou a mesa, além disso a Assembleia era extraordinária.

A José Mota coube apresentar os motivos pelos quais decidiu deixar o cargo. Começou por dizer que “estranhou” não ter sido convidado para a escritura de terrenos adquiridos para o parque urbano de Gandra, realizada por estes dias, e por deixar um esclarecimento, acabando com rumores que circulavam. “Sempre defendi a água e defenderei como um dos maiores patrimónios a continuar na Junta de Freguesia de Gandra. Que fique bem claro: não estou a demitir-me por causa da água. A água não vai sair daqui, a água é nossa. Eu vou sair, mas quem ficar aqui vai continuar a defendê-la ou serei eu a dar o passo em frente”, avisou. Sobre este tema defenderia mais tarde, aos jornalistas, que as pessoas acreditam que a Câmara resgatando a concessão e criando os serviços municipalizados ficava com a água, mas não é assim. “O resgate vai ajudar-nos”, garante.

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“Eu abandono [o cargo] porque tenho razões muito fortes que colidem com os meus valores e integridade. As negociatas não me interessam para nada”

O eleito em 2021, como independente, em lista apoiada pelo PS, agradeceu ao povo e ao executivo, assim como à Câmara e ao vereador Renato Almeida, e diz que lhe deixa pena sair.

“A minha decisão tem razões profundamente pessoais e outras razões. Colocaram-me perante cenários nos quais não sou capaz de me mover. Sempre lutei por causas e princípios. Ultrapassar certos limites colide com os nossos valores, a nossa essência, a nossa educação. Sou filho de um antigo presidente de junta que me ensinou a honra, a integridade e a verdade. Não posso deixar faltar esses três princípios”, afirmou José Mota, que, logo de seguida, revelou a principal motivação.”Numa reunião na câmara não aceitei que Gandra, a minha terra, fosse prejudicada. Abandonei essa reunião e, por isso, perdi a confiança política do presidente da câmara. Ele disse-me de caras, ‘se abandonar a reunião perde a minha confiança política’”, contou. Isso levou-o à conclusão que, para defender “o património de Gandra”, não tinha condições de continuar no cargo.

“Não digam que eu vos abandono para entrar a Sílvia [Sílvia Sá Pinto, até agora tesoureira da Junta de Freguesia]. Eu abandono [o cargo] porque tenho razões muito fortes que colidem com os meus valores e integridade. As negociatas não me interessam para nada. Saio desolado por não poder continuar a exercer estas funções”, lamentou.

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José Mota diz que continua a “apoiar este executivo”, mas que não pode continuar a ser presidente de junta. “Eu não me vergo a nada que prejudique a minha terra. Não me podem dizer que não defendi a minha terra, o património. Não vendi um metro quadrado desta terra, que era o que queriam. Gandra é o meu partido”, concluiu, sendo aplaudido pela maioria dos presentes.

“Fui eleito para defender a minha terra, não para defender os meus interesses, os de terceiros ou interesses inconfessáveis”

Mais tarde, questionado pelos jornalistas, José Mota esclareceu que o motivo de discórdia com o presidente da Câmara prende-se com o litigio entre a Junta de Freguesia de Gandra e a Junta de Recarei relativamente a um terreno, de cerca de 30 mil metros quadrados. “Houve uma providência cautelar e um recurso a essa providência por parte deles. O tribunal reconheceu a propriedade desse terreno à Junta de Freguesia (de Gandra)”, alega o até agora presidente da Junta.

Mas, chamado a uma reunião, a 30 de Novembro, Alexandre Almeida, segundo Mota, terá dito que “aquilo também pertencia a Recarei”. “Eu disse que defendia os interesses de Gandra e que teria de abandonar a reunião, ao fim de alguma conversa. Ele [Alexandre Almeida] disse que se eu abandonasse a reunião me retirava a confiança política”, relatou. “E eu disse que de acordo com os meus princípios e valores não ia vender a minha terra. Fui eleito para defender a minha terra, não para defender os meus interesses, os de terceiros ou interesses inconfessáveis”, acrescentou ainda.

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Isso levou-o a optar por abandonar o cargo. Ainda assim, sustenta que manter apoio ao actual executivo socialista não é “uma contradição”. “Estou em desacordo com o presidente da câmara, mas não deixo de pensar que ele, noutras situações, tem estado bem em relação à freguesia de Gandra. A minha missão acabou, mas tenho de ser justo. Algumas coisas estão bem feitas”, defendeu.

Sobre o que se passou, acredita que o presidente da autarquia de Paredes teve “um dia infeliz”. “Ao fazer aquela reunião parece que se colocou ao lado de uma freguesia, quando um presidente da câmara não se pode colocar ao lado de uma contra outra, tem de ser igual para todas. A única coisa que podia dizer era ‘entendam-se’, mas eu não o ia fazer porque o tribunal decidiu a nosso favor”, frisou José Mota, lembrando que existe uma acção principal, mas que deverá demorar anos a ser debelada em tribunal.

Mota assume que estranha “muito” que Alexandre Almeida não o tenha tentado demover desta decisão. “Dei a cara por ele. Fiz uma eleição muito difícil, porque depois de 12 anos ligado ao PSD candidatei-me pelo PS. Deviam ser gratos. Fiquei muito triste, porque a partir do momento em que não aceitei aquela opinião de dividir com Recarei ele, depois de retirar-me a confiança política, teve algum tempo para me ligar. Até hoje ainda não me ligou”, lamenta.

Reconhece também que, caso isso tivesse acontecido, até poderia ter voltado atrás na decisão de renúncia ao mandato: “Se me tivesse ligado logo a seguir para falar, embora tenha levado a mal e fosse uma humilhação para mim, poderia ter ponderado [voltar atrás]. Agora, jamais. Está dado o passo”.

Foto: Fernanda Pinto/Verdadeiro Olhar

Ainda assim, José Mota promete manter-se atento a Gandra. “Se tiver de voltar ao terreno para defender o povo de Gandra volto, como cidadão. Eu não os abandonei, estou aqui para lutar por eles e para defender a freguesia”, mas não na vertente partidária, afirmou.

Com a renúncia de José Mota, Sílvia Sá Pinto assume o cargo de presidente da Junta de Gandra, por ser a número dois da lista que foi a sufrágio em 2021. Foi eleita para o executivo Sandra Gaspar, até agora presidente da Assembleia de Freguesia. Com a sua saída, Nuno Rocha assume a presidência da mesa e Samuel Moreira passa a 1.º secretário.