Levantamento de rancho

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Era assim que se costumava dizer quando, nas messes, os soldados se recusavam a comer por considerarem que a alimentação não era adequada às suas necessidades e ou não correspondia às necessidades mínimas dos militares para o desempenho das suas funções e muito menos respeitavam as obrigações do estado. Eram intragáveis, ponto!

Salvaguardadas as devidas diferenças foi o que aconteceu nas escolas do concelho de Paredes, nas semanas passadas, quando veio à superfície a qualidade das refeições servidas aos alunos do concelho. É claro que as redes sociais, sem filtros, não nos conseguem dar a devida proporção da situação detetada. No entanto, parece ser consensual, que, efetivamente, as refeições que têm vindo a ser servidas estão longe, muito longe, das exigências mínimas a que se devem obrigar aqueles que se candidataram a alimentar os muitos milhares de crianças, adolescentes e jovens que frequentam os estabelecimentos de ensino do concelho de Paredes.

É certo que, muitas vezes e independentemente da qualidade das refeições, há alunos que preferem ir ao café ao lado comer pior do que aquilo que a escola oferece. É da liberdade de cada um.

É seguro e indesculpável, como se provou, que os nossos estudantes não usufruem da alimentação equilibrada e saudável a que têm direito, pese embora o exagero do exemplo da “batata palha” que encheu as redes sociais.

É, no entanto, necessário olhar o problema de frente e sem falsos argumentos. É sobretudo preciso tentar compreendê-lo, pese embora a perplexidade que nos aflige.

Aliás, o que se torna mais incompreensível neste processo é o facto de as nossas escolas terem recebido intervenções de muitos milhões de euros que contemplaram também a construção de cantinas excelentemente equipadas e capazes de cozinhar, cada uma por si, centenas e até milhares de refeições por dia. Se assim é, porque raio estão ali paradas, com os equipamentos a apodrecer, em vez de serem usados para o fim com que foram construídos?

A diferença de custos, que admitimos exista na confeção em escalas maiores, poupará assim tanto aos cofres do estado?

A qualidade que se perde não é devida aos alunos numa fase das suas vidas em que tudo é importante, mas uma boa alimentação é absolutamente imprescindível?

Olhemos também pelo lado da empresa a quem foi concessionada a confeção das refeições. O contrato não prevê a subida em espiral da inflação (por ora perto dos 10% em média, mas superior a 20% no cabaz alimentar)? Se sim, não se perdoa a falta de qualidade. Se não, porque não solicita uma alteração ao contrato que possibilite fazer as refeições consoante, presumimos, consta do caderno de encargos?

O resultado é fácil de adivinhar: a empresa deve ter ganho o concurso por ter apresentado os preços mais baixos, o que por si só, já nos dá a ideia das dificuldades que teria para cumprir ocontrato. Com a subida de preços dos produtos indispensáveis torna impossível fazer o mesmo pelos mesmo preço. É só fazer contas.

Por fim, a autarquia, que começa a ver os efeitos da aceitação, a qualquer custo, da transferência de competências. A proximidade dos autarcas é muito diferente da distância do governo central. Antes, se a coisa corresse mal a culpa era do governo.Agora, é da autarquia e, como sempre, não será o vereador do pelouroa responder pelo problema. A pessoalização do exercício do poder origina que a responsabilidade não recaia sobre o presidente só quando as coisas correm bem. São muito maiores quando acontece o contrário. E o presidente da câmara, recebendo as novas competências por simpatia partidária e sem o cheque correspondente, ou já se arrependeu ou não faltará muito para que isso aconteça.

Num país que desperdiça milhões em mordomias dadas aos grandes e pequenos poderes, onde quase não há um chefezito nomeado ou diretorzeco reciclado que não tenha direito a carro e motorista, para além das refeições de borla para eles, e para outros, nos mais caros restaurantes do país, como se pode aceitar que os nossos educandos, os filhos daqueles que alimentam os cofres do estado, sejam tratados como cidadãos de segunda, gente a quem qualquer coisa há-de servir?