O crescimento e o desenvolvimento de programas de computador suportados por inteligência artificial tem suscitado intensos debates, quer pela dificuldade na regulamentação desta área, quer pela consequência mais cruel desta inovação tecnológica: a eliminação e substituição de muitos dos empregos atuais por máquinas e robôs autónomos. Mas será mesmo uma tragédia anunciada?

Desde os primórdios da civilização que o homem, enquanto ser único pensante na terra, procurou diminuir a necessidade do esforço físico durante o trabalho, pesquisando ferramentas capazes de executar determinadas tarefas. Assim, e na sua primeira evolução, o homem inventou a roda. Neste primeiro momento, fomos capazes de transportar alimentos e mercadorias para locais mais ingremes e mais distantes, com menos homens na execução da tarefa. E assim, como sociedade, evoluímos criando mais valor com menos esforço. Mas, para muitos foi uma tragédia: aqueles que em tempos eram carregadores de mercadorias, acabariam por perder os seus empregos.  Bem, a roda foi inventada numa data perto dos 3000 A.C, e portanto, qualquer um de vós, achar-me-á louco por iniciar uma discussão tecnológica neste momento histórico. Mas estas referências e análises históricas precisam de ser feitas, para primeiro desmistificar a discussão e, posteriormente, analisarmos factualmente os dados que temos.

Prosseguindo na análise histórica. Mais à frente, nos primórdios da revolução industrial, milhões de pessoas manifestavam-se nas ruas de Inglaterra e dos Estados Unidos contra a evolução da maquinaria nas fábricas de tecelagem de algodão ou de fiação. Nessa altura, a destruição de empregos atingiu números absurdos. Contudo, a verdade é que estes empregos não foram verdadeiramente destruídos, mas sim substituídos. As fábricas, com o aumento drástico na produção, favoreciam o aumento dos salários daqueles que se adaptavam à maquinaria e, ao mesmo tempo, diminuíam o custo unitário da tecelagem ou da fiação para números nunca antes vistos. No final, a riqueza de um país crescia no seu todo: desde o aumento real do rendimento disponível nas famílias até, e imagine-se, o aumento dos empregos na indústria da tecelagem e de fiação. Para terem ideia dos números, a quantidade de pessoas que estava a trabalhar em tecelagem e fiação passou de 7900 funcionários para mais de 320 000 após a invenção da máquina para tecer e fiar. Incrível, dirá o caro leitor.

No entanto, durante a grande depressão mundial, um grupo que se auto intitulava de “tecnocratas”, culpabilizou a evolução e a maquinaria como os grandes responsáveis pela situação desastrosa de desemprego que existia no mundo ocidental. Novas leis foram criadas, novas regulamentações foram desenhadas, e muitos medos foram espalhados por uma sociedade que se definhava na busca de emprego e de rendimentos para sustentar as suas famílias. Em março de 1941, Corwin Edwards no TNEC indicou práticas absurdas dos sindicatos para manter empregos que já não faziam sentido. Por exemplo, em Nova Iorque, o sindicato dos eletricistas recusava-se a instalar equipamentos elétricos fabricados fora do próprio estado, a menos que, o equipamento fosse desmontado e montado no local onde devia ser instalado. Mais ainda, o sindicato dos pintores limitou o acesso aos pulverizadores e exigia que a aplicação da tinta fosse feita por pincel, para garantir os empregos que até então eram necessários. Poderia prosseguir com exemplos ainda mais bizarros, mas não será necessário exemplificar como a falácia da evolução é muito mais antiga do que nós imaginamos. Aliás, caro leitor, se concluirmos em algum momento que a introdução das máquinas é uma causa de desemprego e que a devemos limitar ou regulamentar, as conclusões lógicas que se podem retirar são revolucionárias não só no campo do trabalho, mas também da própria civilização humana. Teríamos de substituir o trator pelo carro-de-bois, o carro-de-bois pela enxada e, finalmente, a enxada pela colher. Se quisermos ser totalmente exigentes no raciocínio, cada uma destas evoluções foi uma eliminação de, pelo menos, um posto de trabalho.

Depois de uma pequena revisão histórica, por vezes até um pouco irónica, voltemos ao presente e à realidade que nos é apresentada todos os dias.

Recentemente a PWC, uma das maiores consultoras a nível mundial, lançou um estudo global, onde estimou que a inteligência artificial, só no Reino Unido, e apenas nos próximos 20 anos, será capaz de assumir 20% dos empregos hoje existentes. No entanto, e ao invés do que seria de esperar, criará, no mínimo, outros tantos.

Setores como a educação, a ciência, a informação, a comunicação e a computação estão entre aqueles que mais necessidades terão no futuro. Pelo contrário, empregos como advogados, financeiros, seguradores, motoristas e administrativos terão os seus empregos colocados mais em risco, com máquinas capazes, e numa percentagem muito alta, de tomar melhores decisões do que estes profissionais.

Hoje em dia, desde o momento em que ligamos o telemóvel de manhã, até ao momento em que nos deitamos e vamos uma ultima vez ver o nosso feed do Facebook, temos equipamentos com motores de inteligência artificial que servem como suporte para decisões mais assertivas e fundamentadas. A revolução tecnológica não é passível de ser limitada e, com muitas dificuldades e limitações, poderá ser regulamentada, através da regulamentação do acesso aos nossos dados e protegendo a nossa privacidade. Não será pois num qualquer gabinete político que regulamentará o caminho que a evolução tecnológica deve seguir.

Obviamente, e nunca menosprezando o custo que isto tem para uma sociedade, são necessárias política públicas que amortizem esta transformação que, por vezes, poderá ser mais dolorosa para os grupos mais vulneráveis da sociedade. Ao Estado cabe, num primeiro momento, acelerar a transformação do ensino, adaptando-o às novas exigências da revolução tecnológica, com a orientação dos currículos escolares para que passem a integrar disciplinas de programação. Mais ainda, deverá apoiar programas de formação de profissionais, que os torne capazes de responder às exigências do mercado de trabalho. Em última instância, será de extrema importância a existência de um programa social forte que seja capaz de ser uma verdadeira almofada para aqueles que, por alguma razão, não consigam encontrar um novo emprego. Ao Estado cabe proteger os seus cidadãos com políticas socialmente fortes e capazes de responder a estes novos desafios.

Por último, caro leitor, quando um político lhe disser que o rendimento único universal será uma realidade para breve, desconfie sempre. Lembre-se da história da evolução da agricultura: primeiro começamos com a colher, depois a enxada, depois o carro-de-bois, depois o trator e, hoje em dia, já temos tratores autónomos a executarem o trabalho, sem controlo humano. Com isto, pretendo dizer-lhe que as vontades e os desejos humanos transformam-se ao longo do tempo, e, portanto, a nossa capacidade também.

Em última instância, não existirá um único momento em que uma máquina seja capaz de substituir aquilo que liga os seres humanos: o amor. E isso, caro leitor, não existe máquina que seja capaz de dar. Se duvida do que lhe digo, pergunte-se: se nem nós entendemos o que é o amor, como poderemos construir uma máquina capaz de o entender?

O resto de uma excelente semana!