Histórias da ONU

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José Maria C. S. André
José Maria C. S. André

No meio de tanta tragédia por esse mundo fora, dá gosto ver o progresso da Igreja em certas regiões. O acolhimento do Papa em Cuba, na ONU e nos EUA superou o de viagens de pontífices anteriores aos mesmos sítios.

A ditadura cubana, que recebeu João Paulo II de má cara, só porque não teve outro remédio, acolheu Francisco como um herói. O Parlamento dos EUA, frio até agora, dispôs-se pela primeira vez a escutar um Papa e depois aplaudiu-o emocionado, apesar da frontalidade com que ele falou. Pela primeira vez, os responsáveis daquele país, tão avesso historicamente à Igreja, trataram o Papa como a referência ética mundial. E a ONU também teve uma atitude semelhante.

Aos poucos, o mundo melhora. Também há mudanças para pior, mas não vou falar dessas.

O efeito-Francisco na ONU lembra um episódio que vai fazer 30 anos. Era o dia 26 de Outubro de 1985, o ponto culminante das cerimónias do 40º aniversário das Nações Unidas. Agendaram para esse dia a estreia de um filme sobre a Madre Teresa de Calcutá e convidaram-na a estar presente. Não estava previsto que falasse, mas (soprou talvez o Espírito Santo) deram-lhe a palavra. O Secretário-geral da altura, Pérez de Cuéllar, apresentou-a como «a mulher mais poderosa do planeta». Bom elogio, entre políticos, embora a Madre Teresa não parecesse uma mulher deste planeta. Pelo menos, não sabia que a ONU tinha votado que não se podia rezar naquele espaço. Assim, a Madre Teresa distribuiu folhinhas pela sala (que tem 1800 lugares) e pediu a todos que a acompanhassem a rezar aquela oração pela paz. O então cardeal de Nova York relata que assistiu ao coro insólito dos representantes do mundo pedindo a Deus o dom da paz (vídeo de 3 minutos abaixo). Em condições normais, muitos países teriam rejeitado a extravagância, mas a ONU estava diferente naquele dia: o cardeal de Nova York conta como os aplausos se prolongavam e alguns delegados escondiam as lágrimas.

Foi só naquele dia. Depois do brilho fulgurante daquele cometa extra-terrestre, as delegações voltaram à frieza dos seus cálculos. Esqueceram tudo? É difícil saber. Houve talvez pequenos passos, reacções pessoais, o zumbido persistente de uma pergunta sem cura: a minha vida poderia ser diferente?

A irrupção do Papa Francisco em Cuba, na ONU e nos EUA foi assim, inesperada e surreal. Arqui-adversários da Igreja comoveram-se, a tal ponto que disseram exactamente o contrário do que lhes costumamos ouvir. Vai durar?

Li há pouco uma biografia da Madre Teresa, incluindo os seus fracassos. Também este Papa teve insucessos, por exemplo quando uns dissidentes cubanos classificaram o fim do embargo como uma traição, porque o regime cairia mais depressa se continuasse a haver fome.

Alguns esforços da Madre Teresa também foram infrutíferos. O caso que mais me impressionou foi o seu empenho de ajudar Mons. Marcel Lefebvre, da Fraternidade de S. Pio X. Escreveu-lhe cinco cartas e ele não respondeu a nenhuma.

Nesta vida, há certamente tentações de libertinagem, mas há também o risco da dureza árdua, que esfria a ternura e impede de ver o bem. O mal agiganta-se e inquina toda a paisagem. A reacção instintiva é condenar. Se alguém dá um pequeno passo em direcção ao bem, isso parece tão insuficiente que se considera um sarcasmo. De repente, já não se ouve a voz do Papa.

A experiência faz pensar. Como é possível que os soviéticos tivessem mais atenções com a Madre Teresa que homens de imensa devoção? Os terríveis carrascos do século XX alteraram a legislação para que as freiras abrissem conventos em Moscovo; os que eram tão firmes a condenar o mal nem lhe responderam às cartas.

Deus nos livre de uma tal aversão ao mal que deixemos de sentir alegria pelo imenso bem que acontece à nossa volta. No limite, a voz do Papa causar-nos-ia tristeza.