Paulo-Ferreira-featuredÉ verdade que a direita venceu as eleições legislativas, sendo por isso natural que na noite das eleições a coligação PAF tenha sido politicamente mandatada para formar governo, mas com garantias de um mínimo de estabilidade. Obviamente que ninguém põe em causa que os 38% obtidos pelo PSD/CDS deram à coligação a prioridade na constituição de um governo e a consequente apresentação na Assembleia da República do respectivo programa.

Na noite das eleições e conhecidos os resultados, também eu defendi que, não obstante o enorme trambolhão que Passos e Portas sofreram, era à direita que competia liderar o processo de formação do governo. E isso efectivamente aconteceu. No entanto, as diligências com o PS revelaram-se infrutíferas. Com algumas cedências ao nível programático, a verdade é que a linha condutora do governo manteve-se igual aos últimos 4 anos. Face a isto, a António Costa restavam duas soluções: A mais simples seria demitir-se da liderança do PS e permitir que face a um vazio na direcção política do maior partido da oposição, o programa do governo e o orçamento para 2016 conseguissem ser aprovados com uma eventual abstenção da bancada socialista. A segunda possibilidade, difícil e muito mais exigente, passava por tentar obter, junto dos partidos à sua esquerda, o apoio necessário para apresentar ao Presidente da República uma alternativa de governo estável e coerente com a proposta apresentada pelo PS aos portugueses.

Um mês depois António Costa anunciou ao país estar em condições de apresentar um programa de governo alternativo e com a garantia de viabilização por parte do BE, PCP e PEV. Para além disso, estas três forças políticas referiram publicamente que este acordo permitirá a formação de um governo estável liderado pelo PS. 40 anos depois esta é a primeira vez que a esquerda desiste de combater o Partido Socialista, sendo por isso natural que algumas reservas e desconfianças ainda persistam, mesmo dentro do PS.

No momento em que escrevo este artigo, desconheço a decisão do Presidente da República. Presumindo que Cavaco Silva não nos presenteará com mais uma das suas anormalidades políticas, António Costa será dentro de dias empossado como Primeiro Ministro de Portugal. O trabalho que tem pela frente é muitíssimo exigente. Depois de 4 anos de uma violenta austeridade, o deficit e a dívida pública não foram resolvidos. Em termos europeus e mundiais, a ameaça de um recrudescimento da crise económica e financeira é uma realidade. Internamente, a oposição do PSD/CDS a esta solução governativa será permanente, dura e crispada. Exigir-se-á do PS e dos partidos à sua esquerda, uma enorme capacidade de monitorização do trabalho que for sendo desenvolvido e um permanente diálogo com os parceiros sociais e os portugueses.

Obviamente que esta solução comporta riscos políticos para todos os partidos representados na Assembleia da República. Se o governo liderado pelo PS conseguir virar a página da austeridade, garantindo o cumprimento das nossas obrigações externas, PSD e CDS terão pela frente uma longa travessia do deserto. No entanto, se esta solução não resultar, os portugueses irão penalizar fortemente o PS (e também os partidos à sua esquerda) em futuros actos eleitorais. Como socialista que sou, mas sobretudo como português, aquilo que desejo é que o próximo governo liderado por António Costa seja capaz de devolver ao país pelo menos parte daquilo que perdeu nos últimos 4 anos. O passado recente foi muito mau e pior que tudo, não resultou. Este é por isso o tempo da mudança e sobretudo o tempo de uma nova esperança.