“Escola” de Lousada ensina liberdade e autonomia enquanto põe crianças a conviver com a natureza (C/FOTOS)

Projeto “A Escola da Floresta” abrange mais de 40 crianças do Centro Social e Paroquial de Lustosa, mas objetivo é crescer e abranger mais alunos

0

Uns constroem casas feitas de galhos, outros escavam e remexem na terra, há ainda os que inventam jogos de equilibrismo ou saltam de tronco em tronco, os que simulam cortar árvores com uma motosserra que não passa, também ela, de um bocado de madeira, os que carregam pedras, varrem com giestas e os que são chefs de uma cozinha onde estão ao lume pipocas e massas feitas de imaginação.

Quer chova quer faça sol, uma vez por semana, mais de 40 crianças, de quatro e cinco anos, do Centro Social e Paroquial de Lustosa vão até à Mata de Vilar, onde participam no projeto piloto “A Escola da Floresta de Lousada”, que começou em fevereiro e se prolonga até ao final do ano letivo.

O objetivo é o de contribuir para “a conexão das crianças com a floresta e a natureza, promovendo a sua autonomia, resiliência, melhoria da sua autoestima, respeito pelas individualidades, sentido de comunidade e pertença, bem como uma predisposição para a partilha, solidariedade e trabalho de equipa”. “Estamos a desenvolver capacidades e a incutir valores. Aqui a criança experimenta, vê até onde pode ir, aprende sozinha”, sustenta Ana Maria Pereira, responsável pelo serviço educativo da Mata de Vilar e uma das integradoras da floresta. Este espaço ‘sem paredes’ visa ainda contribuir para uma melhor condição física e psicológica das crianças, num ambiente mais estimulante e propenso a uma aprendizagem integrada e transversal onde a liberdade impera.

Foto: Fernanda Pinto/Verdadeiro Olhar

“Aqui aprendemos que não se matam bichos, que os bichos não ferram e coisas sobre as plantas”

Chegam em fila indiana à Mata de Vilar. A primeira coisa que fazem é equipar-se com roupa apropriada e à prova de água. Usam sempre galochas, até porque “há uma linha de água e gostam de chapinhar”. Segue-se uma reflexão inicial. Sentam-se todos com os educadores e os integradores da floresta.

“A floresta está diferente da última vez que cá viemos”, constata Ana Maria Pereira. “Sim, tem flores e não tinha”, dizem alguns meninos. Alguns ouvem atentamente, outros já brincam com a terra. Mas vão partilhando o que mais gostaram na última sessão. “Fizemos um espetáculo de circo”, “gostei de me equilibrar nos troncos”, “eu gostei de cheirar as flores” e “eu de pintar”, vão acrescentando. “Vamos explorar o que existe e ver o que há de novo”, sentencia a responsável pelo serviço educativo.

É feita uma avaliação de risco do perímetro, certificando que não há perigos, como galhos prestes a cair. Depois as crianças lançam-se à descoberta das plantas, das árvores, da terra, dando asas à criatividade.

Foto: Fernanda Pinto/Verdadeiro Olhar

Maria e Joana (nomes fictícios) têm cinco anos. Fazem equilibrismo em cima de troncos. “Estamos a treinar para o espetáculo. Vai haver jogos da estátua, comida, equilibristas, baile”, elencam. “Eu gosto de vir à floresta, de brincar aqui na natureza. Costumamos brincar no parque, mas aqui está tudo livre. Já vimos salamandras e, com a nossa imaginação, conseguimos criar coisas”, aprendendo ainda sobre os bichos e a plantar árvores, dizem as meninas, enquanto observam as colegas que preparam “pipocas” e “massa” num restaurante improvisado.

Ao lado, um grupo de rapazes constrói uma “casa”. “Aqui costumo brincar com paus, na terra e rego as árvores. É importante regar as árvores e as flores ou morrem sem água. Aprendo coisas divertidas, como a não matar as joaninhas”, conta o Manuel (nome fictício). Ainda assim guarda medos “de bichos deste tamanho”, explica, esticando os braços. “Esta escola é diferente, mas são as duas divertidas. Na outra escola não aprendo igual ao que aprendo aqui”, descreve o menino.

“Gosto de brincar a trabalhar. Trabalho com os paus e a terra. Construímos uma casa. Esta escola é diferente. Aqui aprendemos que não se matam bichos, que os bichos não ferram e coisas sobre as plantas. Já plantamos árvores e agora tratamos delas”, afirma outro colega, chamemos-lhe João.

“Havia crianças que não partilhavam um pau e que agora ajudam o outro”

“A Escola da Floresta de Lousada” foi o projeto vencedor do Orçamento Participativo Jovem do ano de 2022.

Foto: Fernanda Pinto/Verdadeiro Olhar

Depois disso, e para trazer o projeto para o terreno, educadores, auxiliares e pais tiveram formação. “É um trabalho inclusivo e tudo bastante novo pelo que toda a comunidade foi envolvida”, justifica Ana Maria Pereira. Até para os pais perceberem coisas tão simples como o facto de a chuva não ser motivo para faltar a esta “escola”. “Se chover eles vão cá estar na mesma. Têm roupa apropriada e o objetivo é o contacto pleno com a natureza”, refere a responsável pelo serviço educativo.

As atividades que vão realizando acabam por ser iniciativa das próprias crianças. “Elas brincam, interessam-se pelas coisas e nós partimos daí. Por exemplo, encontram um bicho e fazem perguntas sobre ele e nós explicamos. Aqui há tempo para trabalhar com cada criança de forma individual, sendo trabalhadas as soft skills, a parte emocional e social e a própria individualidade. É aí que estamos a fazer a diferença”, acredita Ana Maria, dando exemplos da evolução que já notam: “Havia crianças que não partilhavam um pau e que agora ajudam o outro. Havia as que no início que não queriam sentar-se no chão e agora rebolam”.

O modelo da escola da floresta já existe em países como a Finlândia, Noruega ou Inglaterra, onde as sessões são diárias. Em Portugal também já há alguns projetos, mas do foto privados e com custos. Em Lousada, estas crianças vêm à Mata de Vilar apenas uma vez por semana, para já, de forma gratuita. “Eles adoram, a felicidade deles é evidente. Há conflitos, choros e birras na mesma, mas aqui procuramos estimular a autonomia para resolver. Aqui nada é proibido, mas explicamos as consequências e, às vezes, a própria criança percebe que não é boa ideia”, refere.

Foto: Fernanda Pinto/Verdadeiro Olhar

Ana Maria Pereira já nota diferenças ao fim de algumas sessões. “Antes pegavam muito em paus, batiam, faziam buracos para descarregar frustrações, agora fazem as coisas com mais tranquilidade. Há tempo para conversar com eles e perguntar porque estão irritados. Há tropeções, há quedas. Há crianças a criar jogos e as regras. Têm autonomia e confiança uns nos outros e ganham destreza”, acredita.

As crianças almoçam na floresta. No final das sessões, trocam de roupa, lancham e é feita uma “revisão do dia, em que cada um partilha uma coisa boa e uma coisa má”. “Mais uma vez damos liberdade, partilha quem quer, mas é raro haver quem não queira. Os adultos também partilham, não há divisão entre adulto e criança, estamos todos ao mesmo nível. Aqui conseguimos que exponham as emoções deles”, sustenta a integradora da floresta, que conta com a ajuda de Manuel Sousa, nas mesmas funções.

“Aqui têm autonomia para proporem atividades, se desenvolverem e se conhecerem. Até podem brincar sozinhos. Há espaço para eles próprios se conhecerem e isso não é encarado como uma coisa má”, conclui.

“É com extrema satisfação que vemos tantas crianças com a ‘mão na massa’, a fugir do mundo informático, a saber como nasce uma árvore, como se planta, como cresce”

Foto: Fernanda Pinto/Verdadeiro Olhar

Juliana Gomes tem 20 anos e é de Lustosa. Foi ela que promoveu a proposta ao OPJ de Lousada. “Estava a estagiar com estes meninos no Centro Social, onde estavam a implementar a cozinha de lama, uma cozinha no jardim para brincar com a terra. A educadora tinha feito uma formação da escola da floresta e resolvemos lançar esta ideia”, explica. Seguiu-se a divulgação do projeto junto da população, para a mobilizar e convencer ao voto. “Bastou dizer que era benéfico para as crianças e iam desenvolver competências tanto a nível motor como emocional. As pessoas gostam destas iniciativas de trazer para as nossas crianças a infância que elas próprias tiveram. Tirá-las dos espaços fechados e trazê-las para o ar livre”, defende a jovem.

A estudante de Psicologia, que até pensa em ir para Psicologia da Educação, acompanhou uma das últimas sessões e fica feliz com os resultados. Gostava de ver o projeto crescer. “Seria bom que as outras crianças também tivessem a oportunidade e não ficasse por aqui. Nota-se que sentem que é um espaço seguro para explorar e combater medos” diz.

Foto: Fernanda Pinto/Verdadeiro Olhar

E a meta é precisamente essa, admite o vereador da Juventude da Câmara de Lousada: expandir o projeto, que cruza vários pelouros, desde a Juventude ao Ambiente, Educação e até mesmo a Proteção Civil.

“É com extrema satisfação que vemos tantas crianças com a ‘mão na massa’, a fugir do mundo informático, a saber como nasce uma árvore, como se planta, como cresce, a mexer na terra e a brincar ao ar livre”, realça Nelson Oliveira. “Um dos objetivos é transmitir conhecimento ambiental para preservar o que é nosso. O projeto começou em Lustosa, com esta envolvência, mas o objetivo é dar esta possibilidade a todas as crianças do concelho”, avança.