As vidas de toda a nossa geração foram atribuladas por uma pandemia que ninguém conhecia, faz agora um ano. Doze meses de perseguição sem tréguas, de sombras permanentes nos nossos caminhos, adiamento de sonhos da nossa juventude, isolamento cruel dos mais frágeis e idosos.

No nosso Centro Hospitalar, que junta os Hospitais Padre Américo, em Penafiel, e S. Gonçalo, em Amarante, com a responsabilidade de ter para atender mais de 5% da população portuguesa (520.000 pessoas em 12 concelhos de quatro distritos), vamos todos ficar inquestionavelmente marcados para sempre pela violência da Covid-19.

No início, em Março de 2020, quando ainda só tínhamos sentido os efeitos ao longe, primeiro na China e depois em Itália, eis que os primeiros casos em Portugal se abatem sobre a nossa região. Com medos, sem sabermos o que aí vinha, sem materiais de protecção, equipamentos e outras condições que estas guerras exigem, foi necessário dar o corpo às balas e começar a traçar as medidas que se impunham.

Uma completa revolução no hospital Padre Américo (naquela altura o Hospital S. Gonçalo não tratou doentes Covid) e o total empenho dos profissionais que sem férias, folgas ou tempos livres, tudo fizeram para ganharmos experiência e tratarmos os nossos doentes.

Com uma certa acalmia em Maio, retomamos novamente o tratamento dos doentes ‘Não Covid’ que tinham ficado em suspenso em Março e fizemos uma recuperação excelente das listas de espera até Outubro.

Mas um verdadeiro TSUNAMI de doentes em Outubro/Novembro, com uma vaga brutal que se abateu particularmente em três concelhos no país (Lousada, Paços de Ferreira e Felgueiras), todos da nossa área de influência, testaram a nossa resistência até limites nunca imaginados. Aqui o Hospital S. Gonçalo em Amarante também sofreu a pressão, tendo havido um período em que todos os doentes internados eram Covid positivos.

Choro, sofrimento, lágrimas, mortes, famílias destroçadas, profissionais impotentes em algumas situações, são imagens que ficam destes meses de pandemia. Mas a certeza que tudo fizemos, sem deixar ninguém para trás, reforçando o conhecimento, a capacidade de lidar com a doença, as estruturas que ficam para novos desafios futuros, uma capacidade de resposta multiplicada muitas vezes.

No pico do TSUNAMI tivemos 10% de todos os doentes COVID positivos internados em todo o país. Tínhamos três vezes mais doentes Covid que o Hospital S. João e quatro vezes mais doentes Covid que o Santa Maria, hospitais com muito mais capacidade que o CHTS.

Mas os nossos profissionais foram valentes, coleccionaram marcas, dor, tristeza, mas também sentiram a importância da profissão que abraçaram e a riqueza interior de termos estado aqui, sem quebrar, mesmo tremendo algumas vezes.

Depois dos trágicos números pós Natal, as medidas musculadas de confinamento estão novamente a trazer os indicadores para patamares geríveis e que aliviam a pressão sobre os hospitais.

Sente-se no ar um sentimento de esperança, há até quem pense em férias no fim deste ano e em recuperar uma parte do lado bom das nossas vidas, porque faltam os beijos, os abraços, os afectos, que fazem parte da natureza humana. Todos esperamos por isso e acreditamos que estamos mais perto.

Mas, no entanto, ainda temos uns longos meses pela frente em que se impõe a manutenção das regras básicas e muitas vezes repetidas: lavar as mãos, manter etiqueta respiratória, usar máscara e distanciamento social. Parece pouco, mas percebemos que é mesmo fundamental cumprir com aquelas regras.

Para a minha geração (tenho 56 anos), desejo que não haja espaço em vida para mais nenhuma situação como esta. Aos jovens, que não sabem o que foi o 25 de Abril, nem o Fascismo, nem o Serviço Militar no Ultramar, que são muito melhores que nós em conhecimento e acesso às tecnologias, que viajam muito mais pelo mundo, que falam muito mais línguas, temos de acreditar que esta experiência vivida na Primavera das suas vidas, só lhes adiou os sonhos, não os matou.

Porque penso fundamentalmente neles, no seu futuro e na esperança que significa o SER JOVEM. Para podermos entender que vai mesmo haver mais vida para além da Covid-19.

Carlos Alberto Silva, presidente do conselho de administração do Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa