Coração de mãe

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Fernando Sena EstevesNa ladainha que se costuma rezar depois do terço, por doze vezes se invoca Nossa Senhora como mãe, começando por “Mãe de Cristo” e “Mãe da Igreja”, esta uma adição relativamente recente que se seguiu à proclamação nesse sentido pelo Beato Paulo VI. Aqui gostava de considerar uma outra invocação da ladainha, a de “Mãe amável”.

Neste Advento em que se prepara o nascimento de Jesus, encontram-se várias festas marianas, como a de Nossa Senhora da Conceição, do Loreto e de Guadalupe. A de Loreto tem a ver com a casa da Sagrada Família prodigiosamente transportada de Nazaré para Loreto, em Itália.

Apraz-me considerar como seria o ambiente sereno e amável na humilde casa de Nazaré após o regresso do Egito. Como o Menuno aprendia de seus Pais as tarefas do dia a dia que mais tarde descreveria com tamanhaa viveza nas suas parábolas: como se levedava o pão pelo fermento em três medidas de farinha; a almotolia do azeite para abastecer a lâmpada que se colocava no alto do lampadário; os remendos em peno velho que tinham de ser apropriados. E as histórias que a Mãe contava e que o Menino tanto apreciava, como as do dilúvio e da arca de Noé, os feitos de Sansão que vencia os Filisteus ou os de David ou ainda os de José do Egito a quem o faraó confiou a distribuição do trigo nos tempos da fome que assolava aquelas paragens. Fome que levou ao Egito seu pai Jacob e seus irmãos que o tinham vendido como escravo.

Junto à casa deveria estar a oficina de José, onde Jesus aprendia as artes de carpinteiro e certamente as outras que seria de esperar de um artesão daqueles tempos e numa terra pequena como Nazaré. Também aí não faltaria a sadia mistura de histórias com o cheiro das madeiras e dos vernizes sob o olhar paternal de José.

E até imagino a festa que fariam quando os visitasse o primo João e as brincadeiras com que desafiasse Jesus: para uma corrida pelos campos onde lhe mostrasse como se apanham gafanhotos e se prova mel silvestre. E como regressariam cansados e felizes para provar algum petisco com que Maria os receberia, amável e carinhosa como sempre.

O amável coração de Maria esteve presente em dois episódios descritos por S. João no seu evangelho: o das bodas de Caná e o da morte de seu Filho no Calvário. Nas bodas leva Jesus ao carinhoso milagre de transformar água em vinho que escasseava. No Calvário aceita a proposta de se considerar nossa Mãe. Aceitação com a alma trespassada de dor pelo sacrifício de seu Filho em favor dos pecadores. Quando apareceu em Fátima não poupou aos pastorinhos uma tremenda visão do Inferno, apelando, a eles e a nós, a que rezemos e façamos penitência pela conversão dos pecadores.

Há tempos desmontei na Faculdade um retrato para o digitalizar e encontrei um pedaço de Jornal antigo – década de 1980 – usado para ajustar o retrato à moldura e que trazia uma espantosa história. Era a de uma moça que exigira ao namorado que tirasse o coração à mãe e lho trouxesse. O rapaz fez-lhe a vontade, meteu o coração da mãe num saco e foi numa correria para o entregar. Só que deu um trambolhão, o saco tombou e, quando ia para o apanhar, saiu de lá uma voz que lhe disse: “Magoaste-te, meu filho?”