Best, Namkai-Meche e Fletcher

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Duas raparigas de origem africana, estudantes do secundário, viajavam num metro de superfície em Portland (Oregon, Estados Unidos da América). Um fortalhaças de 35 anos começa a insultá-las com grande violência, por serem negras e uma delas usar um lenço muçulmano. Ricky Best, empregado da Câmara, de 53 anos, pai de 4 crianças, avança para defender as raparigas e dois outros passageiros seguem-no: Namkai-Meche, de 23 anos, que terminara o curso de Economia há poucos meses, e Micah Fletcher, de 21 anos, ainda estudante da Universidade. Graças a esta intervenção, as raparigas conseguiram escapar.

Então, o fortalhaças vira-se contra os três homens. Esfaqueia Best matando-o ali mesmo, a seguir degola Meche, que ficou em estado crítico e morreu no hospital, finalmente rasga o pescoço de Fletcher de uma ponta à outra, antes de abandonar o local. Dos três, só Fletcher sobreviveu. Era hora de ponta e o eléctrico estava apinhado. Passado o susto, alguns passageiros preveniram a polícia, a maioria dos passageiros simplesmente fugiu.

Como é natural, toda a cidade se interessou por conhecer alguma coisa dos três homens que se interpuseram para defender as raparigas.

Os colegas de trabalho de Rick Best contaram pequenas histórias. Era sempre o primeiro a ajudar os outros, falava muito da mulher e dos filhos, cheio de ternura e orgulho. Alguns Veteranos do exército descreveram-no como um herói durante os 23 anos da sua comissão no Afeganistão e no Iraque, exemplo de alguém que trabalhava generosamente para defender a vida de outros. Na paróquia, o pároco e o bispo da diocese explicaram o sentido profundo pelo qual Rick dava a vida diariamente. O pároco lembrou uma frase de Jesus, «não há maior amor do que dar a própria vida pelos amigos». É verdade que Rick não conhecia as raparigas que procurou salvar, mas, como dizia Erik Best (19 anos, filho de Rick), «fixo os olhos do meu pai e vejo o amor de Deus patente. Ele queria bem a todos». A própria família de Rick era bastante universal. Chamou-me a atenção que, na Missa do funeral, levavam todos lenços brancos na cabeça, símbolo de amor na tradição vietnamita, porque Myhanh, mulher de Rick, é do Vietname.

O Arcebispo de Portland partilhou nessa Missa uma experiência pessoal: «Deus tira sempre bem das tragédias humanas mais horríveis. O heroísmo de Rick já começou a dar fruto, unindo os cristãos e os muçulmanos numa frente comum contra o ódio e a violência». De facto, os muçulmanos sentiram a força poderosíssima de um abraço, ao preço de sangue, que os fez sentirem-se estimados por toda a cidade.

Musse Olol, Presidente do Conselho Somali do Oregon declarou: «a maioria dos imãs com quem falei quer saber quem eram estes bons samaritanos, estes heróis. A história é acerca deles, não do terrorista, nem sequer das raparigas, que estavam casualmente no sítio errado, à hora errada». Um deles lembrou o Corão: «se matas alguém, é como se tivesses morto todas as pessoas; se salvas uma vida é como se tivesses salvo todas».

Harris Zafar, chefe da comunidade muçulmana de Portland, ensinou a sua comunidade a aprender lições práticas da generosidade de Rick e a tratá-lo como um santo intercessor. «Quem me dera agradecer-lhe face a face por ele ser o pai que eu tento ser, a pessoa humana que me esforço por ser. Peço que ele me ajude em casa, com os meus filhos». E declarou, com humor: «O meu pai estava enganado: existem realmente super-heróis».

A mãe de Namkai-Meche, o jovem economista que morreu, uma empresária de nome Asha Deliverance, mulher cheia de iniciativa, habituada a mandar, pôs toda a multidão a rezar, na vigília ao ar livre que se organizou no dia seguinte em Portland.

Fletcher, o mais novo e o único que sobreviveu, teve nestes dias bastantes oportunidades de demonstrar os seus dotes de oratória. Tinha recebido um prémio literário por uma poesia acerca do respeito pelos muçulmanos, que agora é lida pela cidade com um sentido redobrado. À televisão, declarou que «a comunidade muçulmana, especialmente em Portland, tem de compreender que muitos de nós não vamos ficar parados e deixar que alguém – daqui ou de fora – vos assuste fazendo-vos pensar que não podem fazer parte desta cidade, desta comunidade ou deste país». Insistiu em que «não sou um herói, sou só um miúdo de Portland» e que as principais vítimas foram Best, Meche e as duas raparigas. Dyjuana Hudson, mãe de uma delas, Destinee Mangum (16 anos) discorda amigavelmente: «Fletcher foi um dos anjos que salvou a vida da minha filha».

Lembrei-me do pesadelo de Portland por coincidir no tempo com uma proposta da Ordem dos Psicólogos Portugueses acerca do comportamento homossexual. Segundo o projecto, é preciso recusar ajuda às pessoas que querem ultrapassar esta tendência, é preciso proibir os psicólogos discordantes e é preciso obrigar os católicos a reconhecer que a sua religião os enche de preconceitos, quer como profissionais dispostos a ajudar, quer como pacientes que não estão satisfeitos com a sua tendência.

Esperemos que a proposta seja retirada e não faça vítimas mas, em Portland como em todo o mundo, há situações em que algum de nós pode ter de decidir se defende os mais fracos contra quem tem poder. A maioria dos passageiros do metro ligeiro de Portland fugiu e não lhes aconteceu nada.