No dia 3 de março último realizou-se em Lisboa o 2.º Encontro Nacional da Associação das Assembleias Municipais. Esta é uma jovem associação que procura nos seus eventos alertar para a necessidade de dar poder à intervenção das assembleias municipais de todo o país e conceder-lhes a dignidade e autonomia de que necessitam para cumprir a sua extensa missão. Na Lei 75/2013 de 12 de setembro as competências e obrigações das assembleias municipais ocupam 40 alíneas dos art.º 24.º e 25.º. Genericamente são da sua competência e responsabilidade o acompanhamento e a fiscalização da atividade das câmaras municipais. Será que é isto que têm feito? Será que têm os meios para exercerem tão importante e difícil tarefa?

As assembleias municipais são órgãos autárquicos, deliberativos e fiscalizadores, constituídos por elementos democraticamente eleitos, representando a população através de grupos municipais ou partidos políticos. É um reforço do poder popular ou do poder comunitário. No entanto, apesar das boas intenções dos que assim legislaram, a sua ação está fortemente condicionada pela vontade do órgão subordinado e objeto dessa pretensa e contínua fiscalização. Segundo a Lei, todo o funcionamento das assembleias municipais assenta numa dependência financeira e administrativa das câmaras municipais.

Helena Roseta, figura maior da democracia portuguesa, presidente da Assembleia Municipal do maior município do território português, foi dura e incisiva nas suas intervenções. À margem do encontro referiu que as assembleias municipais são desvalorizadas sistematicamente pelos diferentes agentes da sociedade civil embora o seu papel esteja bem definido e dignificado na Constituição da República Portuguesa. Defendeu que é necessário rever a lei das competências dos municípios, considerando que o primeiro passo será garantir orçamento próprio e um quadro de pessoal mínimo para as assembleias municipais. É necessário dar autonomia administrativa e financeira às assembleias municipais.

Jorge Lacão, vice-presidente da Assembleia da República, presente no encontro, reconheceu que as Assembleias Municipais “precisam de ser revalorizadas, quer através de uma maior competência deliberativa, quer de uma maior dignidade funcional“.

A ação limitada e pouco produtiva dos deputados municipais resulta da falta de apoios ao nível de instalações, secretariado e liberdade de movimentos no município. Os elementos coordenadores da assembleia, presidente e secretários eleitos, tal como cada um dos grupos municipais representados na mesma, deveriam ter direito a usufruir de instalações próprias para nesses gabinetes de trabalho poderem reunir, trabalhar nos documentos que precisam retificar, receber os munícipes que queiram solicitar qualquer apoio ou esclarecimento. Alem das instalações deveriam ter a possibilidade de usufruir de um secretariado próprio para poio a essas tarefas. Não havendo essa possibilidade de organização e independência não se poderá estranhar que o seu trabalho não seja produtivo e pareça até dispensável na medida em que se limita a reproduzir as decisões já tomadas nas reuniões da Câmara Municipal ou para dar palco às adversidades partidárias.

Academicamente podemos dividir cada reunião da assembleia municipal em quatro períodos. O primeiro período é de ordem burocrática e corresponde á leitura de correspondência dirigida à assembleia municipal, anotação das presenças para verificar a existência de quórum e à votação de atas de reuniões anteriores. O segundo período, ou período de antes da Ordem do Dia, é aquele que habitualmente concentra maior atenção do público e dos eleitos. É aquele em que no palco público se manifestam as artes de retórica e a capacidade de persuasão de cada um dos eleitos e as estratégias de cada grupo municipal. É o palco da arte politica, da crítica nem sempre construtiva, da procura de ganhos políticos para futuras campanhas. No entanto, pouca utilidade pública se reconhece ter este período e por isso se limita, e bem, a um máximo de 60 minutos de duração. O terceiro período corresponde ao core que justifica a existência da assembleia municipal. É o cumprimento formal de uma exigência legal que obriga a que certas deliberações da câmara municipal tenham que ser retificadas pela votação da assembleia. A vinda desses documentos à assembleia deveria significar uma fiscalização da boa prática, dos retos procedimentos e da melhor decisão do executivo camarário em benefício do interesse público. Apesar do que se possa dizer,  dependendo do equilíbrio de forças politicas na câmara e na assembleia, raramente há alteração do sentido de voto o que torna esta tarefa pouco significativa em termos práticos. É neste período que mais se sente a baixa produtividade dos membros da assembleia municipal porque não há tempo, nem apoio para a pesquisa adequada dos detalhes dos documentos apresentados para votação. Naturalmente que não será do interesse camarário que as suas decisões sejam alteradas e poderá haver aqui terreno para um conflito de interesses. O quarto e último período corresponde à oportunidade que se dá à população anónima de efetuar publicamente pedidos de esclarecimento ao executivo camarário ou à mesa da assembleia.

Justifica-se uma reforma da administração local a par da descentralização prometida. Será uma questão que ainda terá necessidade de ser melhor contextualizada e politicamente assumida mas será o único caminho para a valorização das assembleias municipais.