Adeus, Irmãs! Obrigado!

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Há 33 anos, no dia 1 de Novembro de 1989, celebrou-se a Missa inaugural da actividade das Irmãs do Cottolengo em Portugal. 33 anos depois, a 2 de Novembro de 2022, regressaram a Espanha.

A cidade de Lisboa fica com uma grande dívida para com estas mulheres, generosas e santas, e talvez fique também com o remorso de não as ter acarinhado suficientemente enquanto estiveram no nosso país. (A propósito de serem santas, foi beatificada no passado dia 3 a Irmã Maria Carola Cecchin).

O carisma das Irmãs do Cottolengo é cuidarem de deficientes muito graves, sem autonomia e pobres. Em contraste com tantas famílias, sem forças para cuidarem deles, as Irmãs do Cottolengo amaram-nos com uma delicadeza comovente, que provocou a conversão de alguns deles e de muitas outras pessoas que acompanharam a dedicação das Irmãs.

As Irmãs vivem da providência, isto é, nem sequer pedem esmola, limitam-se a receber as ajudas de quem quiser apoiar o trabalho que fazem. Deus ocupa-Se de que não falte o necessário. A consequência lógica é que as Irmãs vivem, de facto, em condições de grande escassez. A outra consequência, aparentemente ilógica, é que nunca falta nada aos doentes, incluindo o conforto e uma assistência completa, com fisioterapia 5 dias por semana, médicos, professores, passeios, etc. Embora a Congregação tenha sido fundada em Turim (Itália), as Irmãs que estiveram em Portugal vinham de Espanha e aplicaram aos deficientes de cá os padrões de elegância típicos da coqueluche espanhola: as mulheres, penteadas à espanhola, cheias de adereços, faziam lembrar donzelas sevilhanas em dia de gala.

Além de que os deficientes vivem com conforto e com todos os cuidados médicos, é justo acrescentar que as Irmãs desenvolveram um olho clínico fora do comum. Lembro uma rapariga que mal se arrastava. As Irmãs perceberam que nunca lhe tinham ensinado a andar e, depois de uma aprendizagem perseverante, conseguiram que passasse a deslocar-se autonomamente.

A actividade começou na rua do Passadiço, numa casa cedida, mas, passados alguns anos, as Irmãs compraram uma casa ampla e elegante, de traçado antigo, com jardim, numa zona sossegada da estrada da Ameixoeira, na parte Norte de Lisboa.

Como as Irmãs vivem, de facto, da providência divina, nunca vendem nada. Por isso, quando saíram de Portugal, ofereceram a casa da Ameixoeira.

Viver da providência, isto é, totalmente confiadas em Deus, empresta às Irmãs uma liberdade de espírito que origina histórias divertidas.

A porta da primeira casa, na rua do Passadiço, dava para uma rua tão estreita que, sempre que saía uma cadeira de rodas, entupia o trânsito em toda a rua. A Madre superiora pediu a um empreiteiro que abrisse uma porta do outro lado. «Impossível, Irmã, é precisa a licença da Câmara Municipal!». Como a licença demoraria muitos anos e custaria muito dinheiro, a Madre surpreendeu-o dizendo «se essa abertura já existir, não é precisa autorização» e começou a bater na parede, até que identificou um tabique que fechava uma antiga saída. Bastou remover o tabique, provavelmente colocado sem autorização camarária, e instalar a porta.

O Estado português tem uma forte tendência para impedir a iniciativa livre dos cidadãos, mas o sufoco ideológico agudizou-se nalgumas fases, por exemplo, com o Ministro Vieira da Silva, no consulado de José Sócrates. Os entraves acumularam-se até se tornarem insuperáveis: com aquelas leis, as Irmãs do Cottolengo, assim como muitas outras instituições, não podiam continuar a sua actividade em Portugal. As voluntárias mobilizaram-se, procuraram apoios, e assim surgiu a iniciativa de levar deficientes para os corredores da Assembleia da República, ao princípio da tarde, quando os Deputados regressavam do almoço. A mensagem era «cada Deputado leva um». O primeiro autocarro, de 50 lugares, estava ali e os outros chegariam entretanto, de modo que haveria doentes para todos os deputados. O resultado é conhecido. O fervor jacobino do Governo deu um pequeno passo atrás.

Quando decidiram oferecer a casa da Ameixoeira e regressar a Espanha, as Irmãs não abandonaram aqueles que tinham cuidado até então. Com autorização das famílias —todas quiseram—, levaram os doentes consigo para Espanha e, à última da hora, apareceu mais uma deficiente, muito grave, que se somou ao grupo.

Adeus, Irmãs! Obrigado!