O santuário cristológico tronco-piramidal

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José Maria C. S. André
José Maria C. S. André

O «site» do Património Cultural, modelo de erudição e exuberância de palavras, espreguiça-se por várias páginas a falar de um santuário cristológico tronco-piramidal. Alguém consegue imaginar o que seja um santuário cristológico tronco-piramidal? Tem quatro pilares sobre os quais tem plataforma formando terraço. Já adivinhou? Tem vários corpos articulados revestidos a placas cerâmicas de dois tons e faixas alternadas a desperdício de mármore e tijoleira, num jogo rítmico. Ainda precisa de ajuda? É o monumento ao Cristo Rei, em frente a Lisboa. A festa deste Domingo, 18 de Novembro de 2015.

Existem dezenas de imagens de Cristo Rei no mundo, mas há três especiais. O Cristo Redentor do Corcovado, no Brasil, o tal santuário cristológico tronco-piramidal em Lisboa e o Cristo Rei da cidade de Díli, em Timor Lorosae. Há outros monumentos dedicados a Cristo Rei, alguns tão grandes ou maiores, mas estes três são uma oração eloquente a pedir o dom da paz.

O primeiro, inaugurado em 1931, já foi classificado pela Unesco como uma das sete novas maravilhas do mundo. Ergue-se a 800 metros acima do mar, sobre um penhasco vulcânico quase vertical, chamado Morro do Corcovado. A escultura, de betão revestido com pedra, tem 38 metros de altura. O desenho, da autoria de Carlos Oswald, representa Jesus de braços abertos ao mundo inteiro, dando a impressão de ser, de longe, uma cruz plantada no maciço rochoso. O molde da estátua veio do atelier do escultor franco-polaco Paul Landowski.

Na minha escala, o segundo monumento a Cristo Rei é o de Lisboa, uns 215 acima do nível do estuário do Tejo. Inspirou-se directamente no modelo brasileiro e no mesmo desejo de paz. Naqueles anos, Portugal ansiava pela paz, de todo o coração. A Igreja portuguesa aguentara a perseguição do último século de monarquia e o anti-clericalismo da Primeira República. Sucediam-se os atentados, os golpes, as revoluções. Lá fora, o comunismo fazia multidões de vítimas na Rússia e nas regiões por ela ocupadas, a perseguição no México produzia milhares de mártires, a Alemanha estava dominada por um regime pagão que preparava a guerra, o marxismo mergulhava a Espanha em guerra civil. A Segunda Guerra Mundial atrasou a construção do Cristo Rei, mas a decisão estava tomada. Os bispos portugueses fizeram a promessa pública, em nome de todo o país, de erguer aquela imagem, para (1) pedir perdão a Deus por tantos pecados contra a dignidade humana; (2) agradecer a Deus que Portugal não tivesse sofrido directamente os horrores da Segunda Guerra Mundial; (3) expressar o propósito colectivo de nos portarmos de forma honesta e santa.

O Cristo Rei de Lisboa representa Jesus de braços abertos, como o do Corcovado, mas a escultura é diferente. A imagem brasileira segue o cânone «art déco» da época, de linhas geométricas, enquanto a de Lisboa, da autoria do escultor Francisco Franco, é uma obra clássica temperada de vanguardismo modernista. Francisco Franco só teve tempo de realizar o boceto da escultura, em ponto pequeno; a peça final foi vazada em betão no próprio local, em moldes de gesso ampliados do boceto, e acabada a escopro.

O Cristo Rei de Díli também é enorme – mede 27 metros de altura – e também está situado sobre um grande monte junto ao mar, sobre um pedestal que neste caso é um globo terrestre. A atitude é semelhante à dos monumentos anteriores, mas o artista muçulmano Mochamad Syailillah fez esta escultura em cobre. A estátuta foi inaugurada pelo então Bispo de Díli D. Ximenes Belo no ano de 1996, ainda durante a ocupação Indonésia, ainda durante o governo de Suharto. Mais uma vez, o Cristo Rei falava de paz. O monumento, oferecido pela Indonésia ao povo de Timor, era um pedido de desculpa implícito pelos cerca de 100.000 timorenses massacrados pouco tempo antes; o gesto do povo de Timor de aceitar das mãos dos ocupantes muçulmanos o seu Cristo Rei monumental significava: já perdoámos.