Voluntariado na primeira pessoa

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Mala feita, passaporte pronto. No dia 11 de outubro cheguei ao aeroporto de Atenas, que estava muito menos movimentado do que aquilo a que eu estou habituada. Toda a gente estava de máscara, até porque estamos em 2020… e eu estava pronta para viver em Portugal durante um mês e participar num projeto do Corpo Europeu de Solidariedade, denominado ”Think Global, Act Locally”.

Inicialmente, a decisão de viajar para um país diferente, para ser voluntária no decorrer de uma pandemia global, não foi levada a sério. No entanto, nas semanas anteriores e enquanto eu refletia sobre a minha decisão, percebi que a vida não deveria parar por completo só porque a nossa rotina diária foi demasiado alterada. Este ano ainda podemos sonhar, viajar, fazer novos amigos e aprender coisas novas, mas de uma forma diferente e em circunstâncias diferentes. No final das contas, a Associação Sójovem que nos viria a dar as boas vindas em Ermesinde, subúrbio da periferia do Porto em Portugal, teria tomado todos os cuidados necessários. Todos seríamos testados antes de entrarmos em contacto com os nossos colaboradores do escritório.

No aeroporto do Porto, eu e a Vicky fomos recebidas pelo Rui, um estagiário português que trabalha na associação, e pelo Baptiste, um voluntário francês com quem partilhámos o apartamento. A Vicky é outra voluntária grega que voou comigo desde Atenas. Quando chegámos à nossa nova casa, tivemos uma receção calorosa e inesperada: os nossos novos colegas de casa, em conjunto com o Rui e a Andreia, outra estagiária portuguesa, tinham-nos preparado uma grande quantidade de iguarias tradicionais portuguesas como caldo verde, frango de churrasco e diferentes tipos de croquetes. Conhecemos também os nossos outros coolegas de casa: a Anne, que também é francesa e é voluntária com o Baptiste no zoo da Maia, e o Carlos, de Espanha, que se encarrega principalmente do nosso próprio projeto. Dez dias mais tarde, a casa ficou completa com a chegada da Vasiliki, outra voluntária grega.

Enquanto isso, fizemos o teste e conhecemos finalmente as pessoas com quem viríamos a trabalhar durante os trinta dias seguintes. O escritório da Associação Sójovem é um local simples mas agradável, mesmo ao lado da estação de comboios de Ermesinde. A própria organização, fundada em 1997 mas que antes disso fora um grupo informal de amigos que se juntavam para jogar futebol, visa ativar e proporcionar uma ocupação positiva aos jovens. Fá-lo principalmente através do desporto e de outras atividades sociais. Todas as pessoas que lá trabalham receberam-nos energeticamente – o Luís, coordenador do projeto; a Cristina, que organiza os projetos educacionais ao nível local; e também o Paulo, que é o secretário da entidade. Para além deles, trabalham na associação três estagiários portugueses, todos jovens e brilhantes: o Rui e a Andreia, que organizaram o jantar da nossa noite de boas vindas, e o Francisco.

Assim começou a verdadeira parte do projeto. Fomos informados pelo Luís sobre quais seriam as tarefas que iríamos desempenhar durante a nossa estadia. Até à data, sabíamos apenas que ajudaríamos a associação num conjunto de projetos ambientais, com o objetivo de ativar e informar a comunidade local de Ermesinde. O plano inicial era trabalharmos diretamente com os jovens e com as escolas locais. No entanto, a situação atual implicou que fôssemos mais flexíveis e tentássemos alcançar os melhores resultados possíveis, enquanto cumpríamos todas as restrições da Covid-19 impostas pelo Estado Português. Foi-nos explicado que trabalharíamos principalmente a partir do escritório e que os eventuais encontros com os alunos das escolas de Ermesinde seriam por via de videochamada. Dividimos então as tarefas e iniciámos o nosso trabalho.

As semanas seguintes passaram extremamente rápido, tal como era previsto. Íamos para a associação pela manhã, fazíamos uma pausa de duas horas para o almoço e voltávamos à tarde durante mais algum tempo. Não foi um trabalho difícil, pelo que o tempo passava rapidamente. À noite, ou cozinhávamos juntos e socializávamos em casa, ou explorávamos a cidade do Porto.

O tempo nem sempre esteve do nosso lado, já que após os primeiros dias começou a chover e a ficar escuro, mas não desanimámos! A cidade possui muitos locais de beleza e cultura à espera de serem descobertos: desde a Igreja dos Clérigos e a Sé Catedral do Porto, que dominam a paisagem com a sua magnífica arquitetura, aos bairros ribeirinhos com as suas ruelas místicas e os cafés acolhedores. Lá pudemos saborear um copo de vinho do Porto, enquanto apreciávamos as vistas sobre o rio Douro e a Ponte de D. Luís. Não faltam bares e restaurantes para descobrir no Porto, já que a cidade é conhecida pelo seu “clima de festa” e pela comunidade multicultural com centenas de alunos e voluntários Erasmus. Sem dúvida que este é um ano atípico, pelo que os bares não estão tão lotados quanto se poderia esperar. Praticamente não havia discotecas abertas e os restaurantes funcionavam sob rígidas regulamentações. Uma grande parte da experiência Erasmus consiste em conhecer novas pessoas e fazer novos amigos de toda a Europa, pelo que é um pouco dececionante que não seja tão fácil fazê-lo desta vez. No entanto, estar em Portugal e fazer algo que gostamos continua a ser uma bênção, por isso consideramo-nos com sorte.

Foi-nos possível saborear a incrível comida portuguesa: do bacalhau à brás (o meu preferido) ao chouriço, uma salsicha deliciosa que se coloca no fogo e é cozinhada à nossa frente, passando pelo polvo com molho vermelho e à sardinha frita, tudo é divinamente delicioso. A degustação de vinhos também esteve sempre no cardápio, fossem o vinho do Porto branco ou tinto, ou a sangria deliciosa com frutas recém cortadas. É claro, não nos podemos esquecer das sobremesas! Os pastéis de nata são um clássico, mas também pudemos provar os bolos de cenoura e outros pastéis. Os croissants portugueses eram o nosso pequeno-almoço diário a caminho do trabalho. É quase uma sorte termos estado em Portugal por apenas um mês. Se ficássemos mais tempo, provavelmente não iríamos caber nas nossas roupas até ao final do projeto!

As circunstâncias atuais não nos permitiram viajar para longe de casa. Contudo conseguimos visitar a praia de Matosinhos, perto do Porto, com a sua areia branca, brilhante e com a água gelada na qual alguns surfistas lutam contra as ondas. Num fim de semana fizemos uma escapadinha às cidades de Braga e Guimarães, que nos surpreenderam com a sua beleza e o charme medieval – sobretudo Guimarães, que possui uma magia que nos faz pensar num mundo diferente. Fez sentido têrmo-lo visitado no fim de semana anterior ao Halloween!

O mês passou tão rápido quanto seria de esperar, especialmente porque nos divertimos. Decidimos focar o nosso projeto de voluntariado na gestão de lixo e, mais especificamente, na reciclagem. Embora a maioria da população entenda a sua importância, por vezes as pessoas cometem erros e atrapalham o processo de reciclagem, mesmo estando dispostas a ajudar o meio ambiente. Através de várias apresentações e artigos criados ao longo do mês, focámo-nos no objetivo de esclarecer as diferenças entre as boas e más práticas da reciclagem e destacar a importância de seguir corretamente as suas regras, com o intuito de obter o máximo de benefícios.

Com o Inverno a aproximar-se e as restrições a apertarem-se diariamente, com confinamentos locais impostos em diferentes cidades portuguesas, a nossa estadia no Porto chegou ao fim. Este pode não ter sido um típico projeto de Erasmus+ ou ESC, devido à pandemia, mas de forma alguma eu ou os outros voluntários da associação lamentamos termos vindo para Portugal. Num ano ensombrado por preocupações e más notícias, decidimos mudar-nos para outro país, experimentar uma vida diferente e ajudar numa causa em que acreditamos. A experiência só trouxe em retorno novos desafios, memórias e alegrias. Estamos eternamente gratos à Associação Sójovem por esta oportunidade, a Ermesinde pela hospitalidade dos seus residentes e ao Corpo Europeu de Solidariedade por tornar tudo isto possível.

Revekka Maria, voluntária grega no âmbito do projecto “Think Global, Act Locally”, relata a sua experiência de voluntariado na primeira pessoa

A Associação Sójovem, organização sem fins lucrativos, é promotora da mobilidade internacional de jovens e está sediada em Ermesinde.