Uma ULS para o Tâmega e Sousa? Porque não duas?

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Vivemos um período em que se respira uma sensação de mudança, aliás, de grandes mudanças no sector de saúde. Sente-se também a esperança de que não seja apenas sensação e que da revoada das coisas velhas para as coisas novas, haja diferenças positivas.

O que sentimos nesta altura?

Uma aparente e consensual opinião da nossa sociedade de que o nosso sistema de saúde já viveu melhores dias. Isto apesar de na dita “visão da floresta e não da árvore” continuarmos a somar ganhos em saúde: Mais anos de vida – Portugal bate recordes entre as sociedades mais desenvolvidas – mais qualidade de vida em saúde nesse tempo de vida e, claro está, a evidência de mais problemas face a mais e novas doenças. Entendo que de alguma forma está sobrevalorizado o cenário catastrófico do fim do mundo do nosso Serviço Nacional de Saúde. Diga-se em abono da verdade que o nosso SNS continua no pelotão da frente nos rankings internacionais.

O nosso envelhecimento está acelerado e não há como o parar. Contudo, podemos reduzir a sua velocidade e nessa “corrida” gozar de mais e melhor saúde. Até já sabemos como começar a ter resultados.

Não sendo o foco deste texto a nossa longevidade e a transição demográfica, não deixam de ser matérias importantes porque precisamos que os ganhos em saúde, da mudança que sentimos no ar, partam deste interesse de nos formarmos para viver mais tempo e muito melhor.

Voltando à brisa da mudança, considero que o enfoque na organização do nosso SNS é uma evidência que nos centra na questão deste artigo.

O fim anunciado até ao final do ano das Administrações Regionais de Saúde e a reorganização administrativa em ULS (Unidades Locais de Saúde) das unidades de saúde dessas regiões administrativas são uma boa ideia.

Entre outras razões destaco a necessidade de dar mais autonomia à gestão das unidades de saúde.

Uma boa ideia porque não se está a inventar nada e, inclusivé, já existem experiências no terreno que apesar de carecerem de avaliação rigorosa, têm revelado mais prós do que contras.

Uma boa ideia porque já ninguém suporta a inação no desenvolvimento de políticas de saúde nos territórios para as comunidades e de acordo com as necessidades dessas comunidades.

Os territórios, as suas gentes são diferentes umas das outras. Territórios com gente mais jovem e com maior densidade demográfica, territórios com maior número de pessoas mais velhas, acrescidos do risco de terem cada vez mais pessoas ainda mais velhas e em comunidades dispersas. Territórios com pessoas mais ricas e mais qualificadas. Territórios com pessoas mais pobres e menos qualificadas.

Rematando: os aspectos sociais, culturais e demográficos importam e importam muito quando definimos políticas de saúde para as pessoas que habitam os territórios. E, destes ventos de mudança, esta pode ser a grande oportunidade de não ter receio de colocar as pessoas, as suas características, as suas diferenças, as suas necessidades e o local onde vivem como o centro da mudança.

E porque não entrar pela porta em vez da janela? A uma boa ideia reserva-se o direito de serventia e não a entrada envergonhada como a revelar que é bom mas as pessoas a quem se destina não compreendem os benefícios da mudança. Anunciem a Boa Nova, partilhem-na com quem dela beneficiará.

É o caso da “sub-região de saúde do Tâmega e Sousa”. Está prevista uma Unidade Local de Saúde para a comunidade que é servida pelo Centro Hospitalar Tâmega e Sousa – a ULS do Tâmega e Sousa. E se a proposta, como sabemos, já mereceu a reflexão por parte das estruturas representativas das comunidades, nomeadamente a Comunidade Intermunicipal do Tâmega e Sousa e consequentemente das suas autarquias locais, porque não alargar um pouco mais? Não se questione o processo nem o modelo. Reafirmo: a ideia é boa! Contudo, sem más interpretações, questione-se se não poderíamos utilizar o modelo para fazer melhor indo ao encontro das diferentes necessidades das pessoas e das comunidades desta grande grande área territorial e Inter Regional (concelhos de Tâmega e Sousa/Área Metropolitana do Porto).

Por que não em vez de uma Unidade Local de Saúde fazer duas ULS? A Unidade Local de Saúde do Vale do Sousa e a Unidade Local de Saúde do Tâmega.

A ULS do Vale do Sousa com o Centro Hospitalar Tâmega e Sousa (Padre Américo) e as unidades de saúde dos ACES Tâmega II (Penafiel, Paredes e Castelo de Paiva) e ACES Tâmega III (Lousada, Paços de Ferreira e Felgueiras).

A ULS do Tâmega com o Hospital S. Gonçalo de Amarante e as unidades do ACES Tâmega I (Amarante, Baião, Celorico de Basto, Cinfães, Marco de Canaveses, Resende).

E porque não?

Sou de opinião, e por isso não posso deixar de partilhar, que seria a forma mais eficaz de concretizar uma boa ideia como é a preconizada no conceito das Unidades Locais de Saúde.

Uma Unidade Local de Saúde com o polo central no Centro Hospitalar Tâmega e Sousa com urgência médico-cirúrgica e uma Unidade Local de Saúde com o Hospital de S. Gonçalo com uma urgência básica. Aliás estes já são os atuais níveis de urgência das duas unidades hospitalares.

Qual seria então a diferença? Implementar esta ideia boa para percorrer o caminho mais difícil mas muito mais efetivo. A partir desta mudança envolver todos os interessados da comunidade a pensar a saúde como ela tem necessariamente de ser vista: um ativo que promovemos e não que curamos.

Duas unidades locais de saúde que continuariam interligadas por via das necessárias Redes de Referenciação que integrariam a Carteira de Serviços dessas ULS’s, tendo em conta as necessidades especificas dos utentes.

A Unidade Local de Saúde do Tâmega com um hospital do Grupo B e a Unidade Local de Saúde do Vale do Sousa com um hospital do Grupo C. Manter-se-á a Rede de Referenciação para os centros mais diferenciados (hospitais do grupo E e F, (ex. S. João e IPO).

Podemos alongar, noutra oportunidade, os instrumentos de concretização, mas desta feita interessa mais o processo, até porque tudo isto já existe e funciona em Portugal (ULS Litoral Alentejano; ULS Alto Minho com grande interligação com o Hospital de Braga, etc.). É importante que o dinheiro (financiamento) siga o percurso do doente.

Cada uma das ULS responderá às necessidades de cuidados assistenciais da sua população, nascendo aqui aquela que é a grande oportunidade desta Boa Ideia: aproximarmo-nos dos Sistemas Locais de Saúde. Essa sim, Uma Grande Ideia que está adormecida na Lei de Bases da Saúde.

Se hoje as determinantes da saúde estão centradas nas características sociais e económicas, decorrendo daqui que a promoção da saúde passa sobretudo pela alteração comportamental, precisamos de regressar ao largo da aldeia para partilharmos com os vizinhos os novos e melhores comportamentos. Vários estudos indicam que para a saúde dos indivíduos conta muito mais a condição sócio-econnómica do que a quantidade e qualidade dos cuidados médicos.

Caso não seja esta a visão e se queira prosseguir com uma ULS coincidente com as responsabilidades adstritas ao Centro Hospitalar Tâmega e Sousa é meter mãos à obra.

A região terá uma das maiores ULS do país, senão a maior com 500 mil habitantes, distribuídos por 12 concelhos (Penafiel, Paredes, Paços de Ferreira, Lousada, Felgueiras, Castelo de Paiva, Amarante, Marco de Canaveses, Celorico de Basto, Cinfães, Baião e Resende) de 4 distritos (Porto, Braga, Viseu e Aveiro), com uma caracterização demográfica que integra dos concelhos mais jovens do país e dos concelhos mais envelhecidos, concelhos mais densamente povoados e concelhos com maior dispersão populacional.

A ULS do Tâmega e Sousa terá duas unidades hospitalares, Padre Américo – Penafiel e S. Gonçalo de Amarante, com cerca de 2800 colaboradores e três ACES (Tâmega I; Tâmega II; Tâmega III), com cerca de 1381 colaboradores e 86 unidades funcionais e serviços dos ACES). Juntem-se ainda as unidades de saúde do sector social, privado e corporativo.

A integração da prestação de cuidados desta grande ULS será possível mas difícil. É grande o risco de se conseguir a integração da Gestão quando se pretende a integração de Cuidados.

Na matriz da decisão o caminho mais fácil será este, mas já tenho dúvidas, muitas dúvidas, que a variável mais importante – as pessoas e as comunidades – seja olhada com a prioridade que merece.

As decisões do passado podem influenciar as soluções do futuro. Agora está assim será complexo e difícil reverter investimentos ou realocar outros para dotar as duas Unidades Locais de Saúde dos recursos necessários. Claro que sim. Mas, no momento, a questão a responder é qual a melhor solução para a região.

Os meios e os recursos vão aparecer como aparecem sempre para os mesmos problemas noutras latitudes.

O futuro está já ali e no futuro o hospital e os centros de saúde serão em nossas casas.

Pedro Mendes

Administrador hospitalar