Este primeiro ano de pandemia foi de mudança e de receios para Rita Cunha. A jovem de 24 anos, de Vilela, Paredes, é auxiliar de saúde na Urgência Geral do Hospital Padre Américo, onde teve de lidar com casos suspeitos (e muitas vezes positivos) de Covid-19.

Naquele que caracteriza como o período mais difícil da sua carreira até agora, não esconde que as adaptações foram além das vividas em contexto profissional.

“Houve adaptações, principalmente em termos pessoais. Ainda pensei em evitar ir a casa, mas para mim a família foi e é um apoio incondicional. Por isso, nos primeiros tempos, sempre que regressava do trabalho, tinha um cabide com uma roupa suplente e trocava a roupa e desinfectava-me na garagem antes de entrar em casa. Ia logo para o meu quarto onde fiquei durante dois a três meses. A minha rotina era casa-trabalho, trabalho-casa e quarto. Desde que a pandemia começou, deixei de dar e de receber afectos (abraços/beijos/carinho). E um dos cuidados que temos é o uso de máscara em casa”, conta.

No trabalho o receio era só um: ficar infectada e levar o vírus àqueles que mais ama. “Sempre que vou para os Covid tenho receio pelos meus pais, meus avós, pela minha irmã e pelo meu cunhado. Tenho medo de ser eu a contaminá-los”, admite.

“Suamos muito com os EPI’s, as mazelas são visíveis principalmente na cara, o nariz fica massacrado pela máscara”

Desde a juventude que Rita Cunha soube que queria trabalhar na área da saúde. Acredita que as histórias que ouviu sobre um tio com trissomia 21 que nunca conheceu a influenciaram a seguir esse caminho. “Estava no 9.º ano e já sabia o que queria, e mudei da Escola Secundária de Vilela para a Escola Secundária de Paços de Ferreira para frequentar o Curso Profissional Técnico Auxiliar de Saúde”, relata, dizendo que não quer ficar por aqui. “Gostava de tirar um curso universitário para trabalhar directamente com pessoas com necessidades especiais”, adianta.

Mas quando acabou o curso não queria ir logo para a universidade. Por isso procurou emprego e trabalhou na Unidade de Cuidados Continuados da Radelfe, em Paços de Ferreira, antes de concorrer a uma vaga no Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa. Está na Urgência desde o final de 2016, um serviço em que a pressão é uma constante.

Foi com “receio” que viu chegar as primeiras orientações para combate à pandemia, sem na altura saber todas as “adversidades” que haveria de enfrentar. Uma das dificuldades passa pelo uso do equipamento de protecção individual (EPI). “Não podemos sair da área Covid (covidário) quando necessitamos. Temos que nos organizar quando saímos para realizar todas as tarefas necessárias de uma só vez (comer, ir à casa de banho, repor material para dentro da área Covid). Neste momento são turnos de 12h00 (trocamos no mínimo três vezes), e é bastante cansativo. Suamos muito com os EPI’s, as mazelas são visíveis principalmente na cara, o nariz fica massacrado pela máscara”, testemunha a auxiliar de saúde. Mas o principal medo de Rita Cunha era ser contagiada.

Lidou com o primeiro caso suspeito de Covid-19 com medo e ansiedade, e esses sentimentos têm-se mantido. A grande preocupação tem sido não contaminar a família.

“Fiz o teste e deu positivo. Não queria acreditar, não estava em mim

“Estou a trabalhar desde o primeiro dia com os suspeitos. Já passei por dois isolamentos profilácticos, pois estive em contacto com positivos. Temia ficar infectada e acabei por ficar no dia 7 de Dezembro de 2020. Estava a trabalhar nos Covid e sentia me ‘doente’. Não era igual ao que sentimos numa gripe! Fiz o teste e deu positivo. Não queria acreditar, não estava em mim. Fui directamente para casa e fiquei logo isolada, mas tinha medo que os meus tivessem também. Fizeram teste após alguns dias e cumpriram isolamento. Deram negativo”, descreve a paredense, que, devido a isso, ainda não foi vacinada. “Mas tenho esperança que a vacina seja eficaz”, afirma.

Trabalhar na Urgência é ter a morte por perto e sobretudo exige humanidade, “sabendo em que momentos dar a mão ou carinho a alguém que precise”. “Na Urgência apanhamos todo o tipo de casos com ou sem Covid. Estar na linha da frente é estar a lidar com os doentes críticos suspeitos de Covid. Mas sinto-me feliz por poder ajudar o próximo e dar o meu melhor”, garante Rita Cunha, que sente que o trabalho dos profissionais de saúde foi reconhecido, mas com um senão. “Sinto que as atitudes de algumas pessoas em não respeitar as regras de segurança fizeram com que houvesse um crescimento dos contágios, e sinto que isso foi uma falta de respeito por nós”, lamenta.

Este primeiro ano de pandemia foi um ano difícil que a deixou sem vida pessoal, a afastou dos convívios com amigos e famílias, à excepção das videochamadas, e que vai deixar marcas. “A mim vai deixar marcas psicológicas e talvez físicas”, confessa a jovem de Paredes que se tem refugiado no apoio dos mais próximos.

“Espero que os próximos meses sejam calmos. Já tivemos um pico que foi muito mau, mas conseguimos dar resposta de forma a controlar todas as adversidades que surgiram. Temos ainda um longo caminho para percorrer”, conclui.