O GPIAAF – Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves e de Acidentes Ferroviários já divulgou o relatório final de investigação de segurança ao acidente de helicóptero que vitimou Noel Ferreira, capitão piloto-comandante da Força Aérea e comandante dos Bombeiros Voluntários de Cete, de 36 anos.

O documento aponta como causa do acidente “o embate do balde e rotor de cauda nos cabos de alta tensão ao voar a baixa altitude durante a operação de combate a um incêndio rural”.

Já o relatório preliminar divulgado apontava que o helicóptero embateu em linha de alta tensão sem sinalização e sofreu descarga eléctrica que terá sido fatal. De seguida caiu e incendiou-se.

“A perda de controlo da aeronave foi inevitável”

O GPIAAF começa por descrever o acidente de 5 de Setembro de 2019, quando o helicóptero, ao serviço da AFOCELCA e operado pela Helibravo, pilotado pelo paredense realizava operações de combate a um incêndio florestal na localidade do Sobrado, em Valongo.

Noel Ferreira levantou voo de uma base privada transportando uma equipa de cinco elementos e o equipamento de combate a incêndios. Quando largou a equipa de intervenção e depois de posicionado o balde, recolheu água para a primeira descarga no incêndio. Em menos de cinco minutos repetiu o ciclo.

“Quando se aproximava para efectuar a segunda largada de água sobre o incêndio, ao transpor um obstáculo constituído por linhas de alta tensão, o balde suspenso e rotor de cauda da aeronave tocaram nos cabos, levando à perda de controlo do helicóptero, despenhando-se a poucos metros”, refere o relatório.

O documento relata que o helicóptero transpôs a primeira linha “devidamente sinalizada de muito alta tensão (400 kV) composta por 14 condutores, a aeronave e o balde suspenso colidiram com uma segunda linha”. “Esta segunda linha, composta por oito condutores com tensão de 220 kV, estava posicionada a uma cota inferior e a cerca de 45 metros de distância horizontal da primeira”, acrescenta.

“Já sem rotor de cauda e sem estabilizador vertical, a aeronave inicia uma rotação no sentido anti-horário por efeito do torque aplicada ao rotor principal. A perda de controlo da aeronave foi inevitável e consequente queda em rotação, percorrendo uma distância total de 84 metros até se imobilizar sobre o seu lado esquerdo, seis segundos após o impacto com os cabos. Após o embate com o solo, de imediato deflagrou um incêndio intenso que consumiu a aeronave na totalidade. Neste processo, o piloto e único ocupante da aeronave, foi ferido fatalmente”, sustenta o GPIAAF.

Nos últimos 10 anos, diz este gabinete, ocorreram 15 eventos em Portugal envolvendo colisão com cabos, dos quais resultaram três mortos e quatro feridos graves. Isto quando “os acidentes de colisão com cabos são considerados evitáveis”.

“A investigação evidenciou, à semelhança de outros acidentes com aeronaves em combate a incêndios ocorridos no passado, que este tipo de operação aérea, autorizado fora dos normais padrões internacionais de segurança que regulam a navegação aérea, pelas suas características específicas de condições adversas, motivação, foco no objectivo e auxílio às equipas no solo, conduz à tomada de riscos adicionais, cuja avaliação e controlo ficam unicamente no piloto”, explica o relatório.

Piloto com experiência e ciente das linhas de energia

Nas conclusões, o GPIAAF aponta como causa provável o embate nos cabos de alta tensão., tendo contribuído para o acidente a localização e progressão no terreno do incêndio florestal em terreno montanhoso, junto e por debaixo de linhas de alta tensão que cruzavam o vale; a trajectória de descarga eleita pelo piloto com posição relativa praticamente perpendicular às linhas de energia; a posição relativa e disposição dos cabos nos respectivos suportes em configuração vertical à direita do piloto e horizontal à sua esquerda; e o foco do piloto em completar a missão de combate ao incêndio, relativizando o risco de colisão iminente ao voar perto de linhas de alta tensão em terreno de orografia complexa.

O documento revela que o voo foi realizado de acordo com os procedimentos e que a aeronave estava certificada, equipada e mantida de acordo com os regulamentos existentes e procedimentos aprovados, não havendo indícios de defeitos ou mau funcionamento do sistema.

Já o piloto, Noel Ferreira, registava 180 horas de experiência de tempo total de voo no tipo da aeronave acidentada, maioritariamente em operações de combate a incêndios, em que participava desde 2018 e estava habituado a missões de busca e salvamento da Força Aérea. Estava licenciado e qualificado para o voo, clinicamente apto para conduzir e não foram “encontradas evidências de que sofresse alguma doença ou incapacidade súbita que pudesse ter afectado sua capacidade de controlar a aeronave”. “As acções do piloto indicaram que ele estava ciente das linhas de energia e as evidências sugerem que factores psicossociais podem ter afectado o desempenho na gestão do risco”, acrescentam os investigadores.

“Estando o piloto a combater um incêndio por via aérea quando no terreno estava uma corporação de bombeiros voluntários em relação à qual, para além da partilha do espírito de missão e de uma relação de companheirismo, havia também uma ligação hierárquica onde o piloto era o comandante dessa corporação, não se pode excluir que pudesse haver, em determinado grau, uma propensão para desvalorizar ou relativizar os riscos, em busca do melhor sucesso no rápido domínio do incêndio”, afirma o relatório.

O GPIAAF relata ainda que Noel Ferreira não usava capacete de protecção no momento do acidente.

“O corpo do piloto foi encontrado a cinco metros à direita do assento do cockpit, sobre o cone de cauda e estabilizador horizontal, situação que não pode ter resultado da queda nem da explosão, evidenciando assim movimentação autónoma do mesmo após a queda”, informa a mesma fonte. A causa de morte está ligada a queimaduras de terceiro grau em todo o corpo e os testes toxicológicos realizados deram negativo.

O Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves e de Acidentes Ferroviários é o organismo do Estado Português que tem por missão, entre outras, investigar os acidentes, incidentes e outras ocorrências relacionadas com a segurança da aviação civil e dos transportes ferroviários, visando a identificação das respectivas causas, bem como elaborar e divulgar os correspondentes relatórios.