A população de Sobrado, em Valongo, queixa-se dos maus cheiros e mosquitos que atribui a um aterro de resíduos não perigosos instalado na localidade desde 2011. Teme ainda que a água dos poços circundantes esteja a ser contaminada. O presidente da Câmara concorda e já chegou mesmo a pedir o fim deste aterro. A Recivalongo, que o explora, e a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte (CCDR-N) asseguram que tudo funciona dentro da legalidade.

Para o dia 10 de Junho está agendada uma “Caminhada de Protesto”, com início às 9h00, no Largo do Passal. É organizada pelo antes Movimento “Unidos pelo Fim do Aterro no Concelho de Valongo”, entretanto já constituído como associação. Assumem-se como “uma associação cívica, independente, apartidária e sem fins lucrativos, constituída por um conjunto de pessoas, nascidas, criadas, residentes em Sobrado, com um interesse comum, proteger e defender os que aqui vivem e viverão, salvaguardando o futuro da terra”. O objectivo principal, assumem, é “o encerramento do aterro existente na vila de Sobrado”. “É iminente o risco para a população deste concelho, em especial para os sobradenses, nomeadamente, no que toca a saúde pública, à sustentabilidade agrícola e, consequentemente, à sustentabilidade económica das nossas gentes”, defendem.

O presidente da Câmara de Valongo acredita que esta caminhada de protesto será uma mostra da união da comunidade em torno do tema. “Sei que há vereadores e deputados municipais de todos os partidos que estarão presentes”, referiu em reunião de executivo. “Não é uma luta fácil, mas acho que com inteligência da nossa parte, com resiliência e persistência podemos, pelo menos, fazer com que retirem algumas das licenças, pelo menos as que causam maus cheiros”, adiantou ainda.

“Há cheiros nauseabundos, sobretudo à noite, e mosquitos”

Os moradores falam em “cheiros insuportáveis”. “Temos de ter as portas fechadas. Há cheiros nauseabundos, sobretudo à noite, e mosquitos”, contam Manuel Oliveira e Abílio Vasco, que residem nas imediações do aterro. “Isto recebe lixo dia e noite. Uma vez estive ali uma hora e meia e vi entrar cerca de 20 camiões. Fomos enganados quando disseram que isto era para inertes. Isto veio criar um ambiente de inferno”, sustenta Abílio. “Temos medo que a água fique contaminada. Tenho aqui os meus filhos e netos a viver”, aponta Manuel.

“Isto é um atentado à saúde pública. Não sabemos as consequências que isto vai ter nos próximos anos. Dizem que está tudo legal, mas estamos revoltados”, garante César Ferreira, criticando a deposição de amianto e resíduos hospitalares.

Em Fevereiro, José Manuel Ribeiro apelou, durante uma Assembleia Municipal, à mobilização popular para “travar e até fechar” este aterro. Contactado, o presidente da Autarquia lembra que, em 2007 foram licenciadas duas actividades naquele local, uma designada Retria, para receber resíduos de construção e demolição, a outra designada Recivalongo para receber mais de 400 tipos diferentes de resíduos. “Os responsáveis políticos à época só divulgaram a primeira, mas na verdade o principal negócio da empresa é a segunda, e, por isso, estamos a pagar caro essa péssima decisão, pois são ali depositados resíduos perigosos como o amianto e lamas que ameaçam no nosso entender a saúde pública”, diz o autarca.

Câmara rescinde contrato para deposição de inertes

O edil fala em relatos de intensa actividade nocturna e de “uma proliferação de insectos, roedores e gaivotas, que podem ser vectores de doenças transmissíveis”. “Acreditamos que pode haver contaminação do solo e dos recursos hídricos, com sérios riscos para a população, para o ambiente e para a economia local”, sustenta José Manuel Ribeiro, dizendo desconhecer quem verifica as cargas lá despejadas e a sua proveniência.

Depois de a empresa ter pago uma multa de cinco mil euros devido a uma descarga poluente, o Município tem realizado análises a escorrências que saíam da Estação de Tratamento de Águas Lixiviadas (ETAL), que confirmam que “há infracção dos valores limite estabelecidos”.

Por isso, a Câmara decidiu rescindir o contrato que tem para deposição de resíduos de demolição e construção que tem com a Retria, o outro aterro do grupo, localizado no mesmo local, “por razões de interesse público”.

“As respostas que recebemos da CCDR-N remetem para normalidade de funcionamento, mas estamos convencidos que as autoridades públicas poderão estar a ser induzidas em erro muito grosseiro”, acredita José Manuel Ribeiro.

Preocupada com o mesmo tema, também a CDU já realizou uma tribuna pública na freguesia e questionou o Governo sobre este aterro. O mesmo aconteceu agora com o PSD que apresentou um projecto de resolução pedindo intervenção na resolução de um problema ambiental.

Aterro é frequentemente escrutinado e alvo de inspecção

No aterro da Recivalongo são admitidos inúmeros resíduos, como têxteis, plásticos, metal, resíduos biodegradáveis, cartão, lamas industriais, resíduos hospitalares e fibrocimento, entre outros. São tudo resíduos não perigosos, à excepção do fibrocimento que contém amianto, garantem os responsáveis. Já os resíduos hospitalares recebidos são equiparados aos urbanos, ou seja, provenientes dos escritórios, cantinas ou caixas de medicamentos, por exemplo. “Não há aqui tubos com sangue, ou agulhas, ou nada que esteja em contacto com doente. A contaminação é zero”, assegura Marco Marques, lembrando que foi a Câmara que aprovou o licenciamento urbanístico das duas unidades.

Está tudo licenciado e o aterro da Recivalongo é alvo de escrutínio constante das entidades competentes. Tudo o que ali é depositado é alvo de análises de entidades externas. A água é colectada e tratada numa ETAL própria com três processos distintos e que está directamente ligada à conduta pública de saneamento. “A água não é libertada para os cursos de água, mas podia ser sem problema de poluição. Não há contaminações e há análises regulares em laboratórios externos e acreditados”, sustenta Marco Marques. A multa, esclarece, aconteceu devido a uma avaria e a um atraso na comunicação escrita à empresa Águas de Valongo.  “Tínhamos 24 horas para comunicar e fizemo-lo em 25”, diz, frisando que há controlo de qualidade da água antes e depois do aterro e não há alterações.

“Os possíveis cheiros são de decomposição de matéria orgânica. Tentamos minimizar ao máximo, mas ninguém consegue eliminar os odores de resíduos. Temos um sistema de desodorização que ajuda a mascarar os odores”, explica, garantindo que o aterro só funciona até às 18h30 e negando actividade nocturna. A Recivalongo diz que tem feito, ainda assim, testes aos odores em diferentes horários estando todos dentro dos parâmetros normais. “Pontualmente pode haver cheiros, mas não é constante”, frisa. “Estas queixas só começaram quando o presidente da Câmara incentivou uma revolta popular. Andamos há três meses a solicitar uma audiência e não nos recebe”, queixam-se os responsáveis da empresa. “Em 10 anos de actividade não houve um único problema”, salienta ainda Marco Marques.

“Não há registo de infracção ambiental”, diz CCDR-N

Contactada, a CCDR-N, instituição coordenada pelo Ministério do Ambiente e da Transição Energética, confirma ter recebido duas reclamações do Município em 2017 e 2018 quanto à emanação de mais odores e à proliferação de insectos e uma de um particular “sobre a existência de cheiro intenso a químicos”. Sustenta ainda que o aterro é alvo de inspecções frequentes de várias entidades. “As acções de fiscalização e acompanhamento são realizadas pela APA, CCDR-N, IGAMAOT, SEPNA. Estas acções não têm uma periodicidade definida, mas são realizadas sempre que solicitado e/ou sempre que qualquer das entidades entende ser oportuno. A CCDR-N efectua regularmente visitas, tendo as mesmas sofrido um incremento face às reclamações por parte da Câmara Municipal. Em 2019 foram, até ao momento, realizadas cinco deslocações ao aterro da Recivalongo sem o registo de qualquer infracção ambiental”, garante esta entidade.

A Comissão de Coordenação diz ainda desconhecer “práticas indevidas na recepção ou gestão de resíduos para além dos que constam nas respectivas licenças”.

“Relativamente ao manifesto sobre incomodidade dos odores, a CCDR-N mantém preocupação e vigilância. No seguimento das reclamações recebidas, a CCDR-N solicitou, recentemente, à Recivalongo um estudo sobre a caracterização de odores na sua envolvente. De acordo com as linhas orientadoras internacionais, concluiu que no dia da avaliação não eram perceptíveis odores significativos. Note-se, contudo, que a este respeito ainda não existe legislação nacional em matéria de odores”, admite a entidade.

A CCDR-N adianta ainda que a Recivalongo é uma empresa licenciada para dois tipos de operações de gestão de resíduos: produção de combustíveis derivados de resíduos (CDR) e eliminação de resíduos não perigosos em aterro. “Está licenciada e em actividade desde 2012 e os alvarás de licença foram renovados pela CCDR-N em Março de 2019”, informa.