O cidadão e o político

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Dito desta forma até parece que um cidadão nunca é político ou o político, uma vez eleito, deixa de ser cidadão.

Nada disso. O político, uma vez eleito, ao contrário do que é comum assistir-se, não passa a ser um cidadão que adquire privilégios em função do cargo que vai ocupar. É exactamente o contrário. Os eleitos nunca deixam de ser cidadãos e, dado que foram escolhidos por estes para os representar, aumentam as suas responsabilidades públicas perante os eleitores, de quem, afinal, passam a ser representantes. É por força dos eleitores que os eleitos ocupam os cargos e é pela responsabilidade pública assumida que, mais do que beneficiarem pessoalmente da eleição, têm mais obrigações perante quem os elegeu. Mais não fosse e, para se sentirem a isso sujeitos, bastaria o poder que lhes é conferido para decidirem em nosso nome.

É por isso que, peregrinos de ideias não consensuais, defendemos , há muito, que, no mínimo, deveria existir uma escola para formação de dirigentes políticos, particularmente de autarcas.

Tentemos ser mais claros por via de uma comparação. O director de uma escola, para o ser e para gerir recursos humanos sempre de poucas centenas e recursos financeiros mínimos, uma vez que os salários consomem obrigatoriamente o grosso da despesa corrente, para além de ter de possuir um curso superior que lhe permita ser professor, é obrigado a ter formação específica no âmbito da administração escolar, coisa que representa tanto como outro curso superior e só depois disso está habilitado a concorrer ao cargo. Para chegar lá tem ainda de se sujeitar a eleições entre pares. Isto é o que se exige para dirigir uma escola, universo que, no seu conjunto, raramente ultrapassa as 2.000 pessoas.

E para gerir um concelho ou uma freguesia que habilitações específicas se exigem a quem se candidata? Nenhumas. Em muitos casos, e o país tem imensos exemplos, bastam umas coroas e a prática cacique, tantas vezes reduzida à promessa de dar emprego à clientela partidária ou até à oferta de um simples electrodoméstico. Basta isto para, tantas vezes arbitrariamente, gerirem milhões de euros que não são deles, e, tantas vezes, decidirem o nosso futuro ou, pelo menos, interferirem nele.

Quantos dos nossos autarcas se deram ao trabalho de fazer um curso de administração autárquica? Ou outra coisa qualquer que lhes desse competências específicas para exercerem os seus cargos? Devem contar-se pelos dedos no país inteiro.

Dir-se-á que uma ideia destas é castradora dos direitos democráticos, mas existirá maior capadura do que esta submissão, este nacional “lambebotismo”, que todos os dias mata a democracia?

Temos a certeza, sem medo de sermos desmentidos, de que muitos dos autarcas eleitos estão longe de conhecer os seus direitos e deveres. Aliás, os exemplos que mais conhecemos, mostram-nos que, uma vez no cargo, muitos dos eleitos avocam logo para si todos os direitos que acham que têm, e, muitas vezes vão além do que a lei permite.

Um exemplo simples para se perceber bem e para evitarmos a enunciação exaustiva e exasperante dos abusos que diariamente cometem: ter um motorista e uma viatura pública para ir buscar o presidente da câmara ou o vereador à sua residência para os trazer ao seu local de trabalho não está consignado em lei alguma. São mordomias de que os eleitos se apropriam e perante as quais que os eleitores condescendem. Ou, nós, cidadãos de pleno direito como qualquer presidente da câmara, também temos direito a ser levados para o trabalho? Juntássemos estes a tantos outros privilégios indevidamente e abusivamente usados pelos detentores de cargos públicos e, no fim, somaríamos tanto que, gastos onde deviam ser gastos, nem os servidores do  Serviço Nacional de Saúde se queixariam da falta de recursos nem os utentes/doentes veriam as suas cirurgias adiadas ad eternum.