Necessidade de Abafadores?

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Quando se fala de eutanásia, são utilizadas muito frequentemente duas ideias: “a via humana é inviolável” e “a pessoa goza de autonomia” ou algo similar.

Mas todos os argumentos que se esgrimem estão geralmente relacionados com a pessoa que “quer morrer”. Está a esquecer-se do outro protagonista: a pessoa que vai matar.

Se a vida humana é inviolável, não se pode matar um ser humano e ninguém pode invocar a sua autonomia para matar outrém. Até posso dizer que a autonomia de quem mata lhe dá o direito de não querer matar outra pessoa.

(O caso da legítima defesa contra um agressor injusto, implica proporcionalidade. Não se pode matar por qualquer agressão. Só em risco da vida própria se pode matar o agressor).

Então quem vai matar aquele que deseja morrer está a ir contra a inviolabilidade da vida humana.

O acto de matar não pode ser legal, porque  quem o pratica  vai contra um  preceito constitucional. A pena de morte é inconstitucional.

Sendo médico e não jurista, admito que o que acima afirmei possa ser contra-argumentado. No entanto, como médico, o meu código deontológico impede-me de matar, mesmo a pedido do “dono da vida”.

Um médico, por ser médico, não poe matar uma pessoa. Miguel Torga, médico, põe  essa função no “abafador”.*

Admito que um médico possa ter duas profissões: médico e “abafador”. Nesse caso, quando essa pessoa pratica a “boa morte” (“eutanésia”, no grego), não está a exercer a profissão e médico, mas a de “abafador”. E também admito que se possa conceder a profissão de “abafador” a não–médicos. Nos Estados em que se pratica a pena de morte, o executor (ou carrasco) não é médico. Nos USA, os médicos recusam-se até a localizar a veia onde se vai inserir a agulha, no caso da injecção letal. Mito menos, administram o acido cianídrico ou colocam a corda no pescoço do condenado.

A aprovação da legalização da eutanásia tem de ser regulamentada. Espero que essa regulamentação institua a profissão de “abafador”, afastando assim a ideia de que que é ao Médico enquanto tal, que se atribuiu a função de “abafador” na feliz expressão do Dr. Adolfo Correia da Rocha (mais conhecido por Miguel Torga).

 

Vítor Costa Lima

Médico