O monge beneditino Albino Nogueira, natural na freguesia de Figueiras, Lousada, um dos 19 monges que integram o Mosteiro de Singeverga, em Roriz, Santo Tirso, é o responsável pela produção do licor de Singervega, o único licor monástico nacional e um dos mais afamados a nível mundial.

Albino Nogueira confessou que a influência de um pároco local e a paixão pelas missões, que nunca conseguiu exercer, levaram-no a prosseguir uma vida ligada à Igreja, tendo sido ordenado diácono pelo ex-bispo do Porto, D. António Ferreira Gomes, figura central da Igreja Portuguesa.

Com a ordenação a padre, Albino Nogueira devotou toda a sua vida à palavra de Deus,  ingressou no Mosteiro na década de 70, mais propriamente em 1977, e mais tarde, já na década de 80, ficou responsável pela gestão de todo o processo de confecção do licor de Singeverga, bebida alcoólica doce.

Falando do licor de Singeverga, Albino Nogueira revelou que a sua produção data de 1945, mas já antes este seria produzido no Mosteiro.

Foto: Francisco Coelho da Rocha

“Estou convencido que o licor mesmo antes de 1945 já era produzido. Existe inclusive um instrumento com uma data anterior à legalmente conhecida, com uma inscrição da década de 30”, disse, salientando que originariamente o licor foi inventado por um engenheiro químico que colaborava com o Mosteiro.

O monge recordou, também, que o licor nunca deixou de ser confeccionado no Mosteiro e teve um irmão que esteve 50 anos em Santo Tirso, tendo sido peça-chave na sua divulgação.

“Foi ele que começou a divulgar e a tentar colocar o produto nos supermercados. Era uma pessoa com visão. Chegou a ir muitas vezes a Lisboa vender o licor. Às vezes vinha de mãos a abanar”, disse, afirmando que o licor de Singeverga poderá ter afinidades com um outra abadia, em França, que desenvolveu uma bebida composta por ervas aromáticas medicinais com inúmeras plantas aromáticas e que foi confeccionada praticamente até à Revolução francesa.

Foto: Francisco Coelho da Rocha

O monge recordou que ao longo da história, os monges e os mosteiros desempenharam um papel fundamental na criação e desenvolvimento deste tipo de produtos, sendo precursores deste tipo de licores que hoje é possível adquirir em qualquer superfície comercial.

Segundo o Padre Albino Nogueira, no passado, era usual os monges cultivarem próximo do mosteiro Beneditino de Santo Tirso as eras aromáticas que depois trabalharam, desenvolvendo técnicas e processos ancestrais de destilação das plantas aromáticas que chegaram aos tempos de hoje.

Sobre o processo de produção do licor, Albino Nogueira recordou que o licor continua a ser produzido de forma completamente artesanal, uma das características que faz deste um produto único, com o mínimo de mecanização. Aliás, no local onde é produzido o licor, num espaço relativamente próximo do Mosteiro, é possível visualizar vários dos instrumentos e máquinas que foram utilizadas, ao longo dos anos, na sua produção, naquilo que poderia ser muito bem um museu rudimentar.

“A sua produção mantém o cariz artesanal. É quase tudo feito à força de braços”, disse, assumindo que este é um licor que se impõe e define pela sua meticulosa preparação.

Voltando à confecção desta bebida alcoólica doce, o Padre Albino Nogueira, destacou que o Licor de Singeverga é composto por uma diversidade de especiarias e apesar do teor de álcool, uma característica de todos os licores, define-se pelo seu aroma e delicado paladar.

De acordo com o monge, tudo começa com a extracção de certas especiarias que são consideradas princípios activos em álcool etílico a 95.º, que são deixadas durante quatro dias em garrafões, com agitação regular manual. A este processo juntam-se as especiarias, nomeadamente, o açafrão, a canela em pau, a noz-moscada, raiz angélica e a baunilha em vagem, entre outros ingredientes.

“Durante quatro dias agitámos os garrafões, o álcool apropria-se das características de cada uma das especiarias, destilamos a água, 160 litros e em dois dias seguidos, acendemos a fornalha e divididos o conteúdo de dois garrafões em seis bilhas, cada uma dessas três partes tem a mesma quantidade (20 mais 15) 35 litros e juntamos água. Vai para o alambique. O licor vai para os garrafões colocámos açafrão para dar cor e baunilha em vagem, um produto de qualidade”, disse, sustentando que após este processo, é feito dois xaropes com água destilada, açúcar e chá preto, um deles leva chá preto, e ácido cítrico para o açúcar não granular e controlar a acidez.

A fase final do processo consiste em fazer o caramelo com açúcar e juntar o ácido cítrico, sendo o licor depositado em barricas de carvalho, onde permanece durante um ano.

Foto: Francisco Coelho da Rocha

Cumprida esta etapa, Albino Nogueira esclareceu que o licor é engarrafado, uma operação toda ela feita manualmente, sendo depois colocados os rótulos nas garrafas e o produto expedido para os estabelecimentos comerciais em Santo Tirso, mas também para várias superfícies comerciais.

O processo, segundo o padre Albino Nogueira, conta com a prestimosa colaboração de dois jovens que monitorizam toda a fase de produção.

Ao Verdadeiro Olhar, Albino Nogueira ressalvou, também, que o Mosteiro produz uma média de oito mil garrafas, sendo o licor comercializado em garrafas de três tamanhos. O preço médio por cada garrafa é de 16 euros. “Pensamos ser um preço justo”, disse, salientando que além do custo das especiarias, o mosteiro tem que cumprir com todas os procedimentos impostos por lei e pela Alfândega, nomeadamente ao que toca ao imposto sobre o álcool.

“Escoamos toda a produção”, expressou, sustentando que é na quadra de natal que o Mosteiro vende mais. O mosteiro dispõe, também, uma transportadora para colocar o produto nos mercados mais longínquos.

“Já pensamos em internacionalização. Um empresário que importa vinho para Inglaterra, demonstrou interesse em levar para lá o licor, mas com o Brexit o negócio e os contactos acabaram por ficar suspensos”

Foto: Francisco Coelho da Rocha

O padre explicou, por outro lado, que o Mosteiro já equacionou a possibilidade de o produto ser internacionalizado, tendo realizado já vária tentativas nesse sentido.

“Já pensamos em internacionalização. Um empresário que importa vinho para Inglaterra, demonstrou interesse em levar para lá o licor, mas com o Brexit o negócio e os contactos acabaram por ficar suspensos”, afiançou, garantindo que o Mosteiro foi, entretanto,  também contactado por uma outra empresa de Braga que manifestou interesse em colocar o produto no estrangeiro, mas o processo não avançou.

Não sendo a principal fonte de receita do Mosteiro de Singeverga, o licor é seguramente, avançou o padre, um dos produtos mais emblemáticos do mosteiro, sendo procurado em grande escala, sobretudo, na quadra do Natal.

“Nunca tivemos prejuízo com o licor. Vendemos a produção toda, mas é sobretudo na quadra natalícia que as vendas disparam. Dispomos de diferentes garrafas. Nas garrafas de 0,50, as vendas chegam às seis mil, nas garrafas de 0,70, atingem as mil e nas mais pequenas (0,10), também mil”, acrescentou.

“Os beneditinos provam o licor em aniversários, quando se celebra o Santo em que há um monge que tenha o nome dele. Usamos no nascimento ou quando há alguém que vem de fora ou decorre um evento ímpar”

De acordo com o padre Albino Nogueira, o licor é um digestivo que deve ser apreciado de preferência depois de uma refeição, como digestivo, sendo um produto consumido também pelos monges em épocas festivas, nomeadamente em aniversários de algum dos irmãos ou em ocasiões mais específicas.

“Não usamos o licor de qualquer forma. Só em certas festas ao domingo e assim. Os beneditinos provam o licor em aniversários, quando se celebra o Santo em que há um monge que tenha o nome dele. Usamos no nascimento ou quando há alguém que vem de fora ou decorre um evento ímpar”, expressou.

Foto: Francisco Coelho da Rocha

Falando da história do mosteiro, o Padre Albino ressalvou que o mosteiro tem, presentemente, 19 monges, sendo que o mais novo tem 30 anos de idade.

De acordo com o Padre Albino, o Mosteiro de Singeverga é o único mosteiro masculino em Portugal que segue a regra de São Bento, tendo sido fundado em finais do século  XIX.

Com a extinção das das Ordens Religiosas e na sequência da guerra civil entre liberais e absolutistas, os monges dos mosteiros instalaram-se na Quinta da Singeverga, tendo esta sido doada pela família Gouveia Azevedo.

Com a implantação da I República, a grande maioria dos monges saí do país, tendo regressado com a elevação de Singeverga a priorado. Em 1938, o mosteiro foi elevado à categoria de abadia.

Além da confecção do licor, os monges de Singeverga dispõem de um laboratório-atelier de restauro, funcionando o templo também como um autêntico repositório de arte.