O pequeno Gonçalo ainda não fez três anos, mas já tem uma vida recheada de histórias para contar. Nasceu com Síndrome de Moebius, uma doença rara que afecta um em cada 50.000 recém-nascidos e que lhe afecta o lado esquerdo do rosto e lhe causa dificuldades em falar, comer, beber e até sorrir. O menino de Louredo já passou por três cirurgias e por mais de 150 consultas.

Na passada segunda-feira, celebrou-se o Dia das Doenças Raras. Estas doenças afectam 6 a 8% da população mundial e têm uma prevalência inferior a 5 casos em 10.000 pessoas. Em Portugal, existirão entre 600 a 800 mil os casos de portadores destas patologias.

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Diagnóstico chegou aos três meses

Em Portugal, haverá treze pessoas com Síndrome de Moebius, dizem os pais, Filipa Pinto e Sérgio Moreira. Mas não foi logo que nasceu que Gonçalo Moreira foi diagnosticado. A mãe tinha tido uma gravidez difícil, com vários episódios de urgência e internamentos, mas nada os preparou para o que estava para vir. “Foi um murro no estômago”, garante o pai.

Perceberam que algo estava errado quando o menino nasceu. Foi encaminhado para várias consultas. Mas só três meses depois chegou o diagnóstico definitivo: era Síndrome de Moebius, uma doença rara.

Gonçalo nunca conseguiu mamar no peito da mãe. Tem a parte esquerda da face paralisada. “Há casos mais graves”, salientam os pais. No início tinha grande dificuldade em comer e sobretudo em beber, até porque tem a língua afectada. Ainda consegue fazer o esboço do sorriso e fala, mas os olhos só mexem de forma vertical.

Seguiram-se consultas e mais consultas. “Desde que ele nasceu já tivemos mais de 150 consultas”, contam. “Chegávamos a passar dias inteiros no Hospital de Santo António com quatro a cinco consultas de diferentes especialidades por dia”, recordam ainda.

O menino, que já passou por três cirurgias e passou por um coma, tem que fazer ainda terapia da fala duas vezes por semana e quinesioterapia.

Filipa Pinto viu-se obrigada a deixar o emprego para tomar conta do filho e passaram a viver apenas com o rendimento do marido.

 

Falta informação

Desde o início confrontaram-se com falta de informação. Procuravam-na em sites da internet e fóruns e com outros pais que foram encontrando com problemas semelhantes. “No início tínhamos muito medo de conhecer outros casos, de saber o que teríamos de enfrentar. Depois acabamos por ir conhecer uma família a Lisboa”, contam Filipa e Sérgio.

Os problemas que enfrentaram foram muitos. Quando chegou à hora de procurar uma creche foram à escola pública onde arranjaram “todas as desculpas e mais algumas” para não aceitarem o menino. “Diziam que não tinham como cuidar dele”, sustenta a mãe. Acabaram por conseguir que entrasse na creche, em Sobrosa, mas, no ano seguinte, optaram por uma escola privada, o Colégio São José de Bairros. “Tratam-no com cuidado e tentam incluí-lo em tudo. Tentamos que seja tratado como um menino normal e que tenha as mesmas regras que os outros. Os amigos tratam-no como igual”, garante Filipa Pinto. “Ele tem uma doença rara, mas não é raro, só é especial à maneira dele. Pode não sorrir, mas é carinhoso”, acrescenta.

Monetariamente, suportar os custos com deslocações a consultas e tudo o que menino foi precisando não foi fácil. “Até aos oito meses tomava um suplemento que custava 300 euros por mês”, lembra a mãe. O menino tem uma incapacidade de 66%, mas a Segurança Social só lhe dá 59 euros de subsídio de doença crónica. A título de exemplo, só as botas especiais de que precisou custavam quase 100 euros cada uma e os pais gastaram cerca de 400 euros numa cadeira para que possa comer alinhado.

“Nunca faltou nada ao Gonçalo. Teve muita sorte na família em que nasceu. Se estivéssemos a pagar empréstimos, como a maioria das famílias, não conseguíamos”, sustenta o pai.

 

“Não desejo a ninguém que passe um terço do que passámos”

Para a família também não foi fácil. “No início não queria sair de casa e mostrar o Gonçalo. Ainda hoje ficamos incomodados com a recção das pessoas”, não esconde Filipa Pinto. Têm que suportar os olhares e os comentários de “coitadinho”. Enquanto casal, passaram também um período difícil. “Olhávamos um para o outro e sei que pensávamos: a culpa foi minha ou tua?”, assumem.

“Não desejo a ninguém que passe um terço do que passámos. A nossa sorte foi a ajuda da família e dos amigos”, garante Filipa. O casal tem agora também uma menina com dois meses e meio.

Com uma evolução que tem surpreendido os médicos, o Gonçalo pode, no futuro, recorrer a uma cirurgia que existe em países como os Estados Unidos da América, o México ou a Itália, para repor nervos que permitem aos doentes com Síndrome de Moebius ganhar movimento. “Ele podia passar a controlar a mastigação e fechar a boca”, acredita o pai. O valor é elevado, pode chegar aos 100 mil euros, e não é comparticipado pelo Serviço Nacional de Saúde. “No México já operaram com sucesso cerca de 50 pessoas”, diz Sérgio Moreira. “Queremos experimentar, mas vamos esperar que seja mais velho porque ele precisa de aprender a estimular o movimento depois. Achamos que lhe vai trazer mais funcionalidade e ajudar em termos estéticos”, sustentam.

 

Livro “Bolha Rara” apresentado em duas escolas

Livro Bolha RaraEscrito em parceria com a Raríssimas, e inspirado na história de Gonçalo e de tantos outros meninos e meninas especiais, “Bolha Rara” conta a história de uma amizade entre uma criança “normal” e uma criança com doença rara.

No próximo dia 15, as escritoras, Luísa Codesso e Sara Tavares vão estar em Paredes e Lousada a apresentar o livro no Centro Escolar de Vilela e no Colégio de São José de Bairros.

“Trata-se de um livro que concilia a literatura infantil com a solidariedade social”, já que os direitos de autor revertem para a Raríssimas. O projecto pretende “promover uma reflexão conjunta sobre o que é ser raro e proporcionar um novo olhar sobre a definição de amizade: a amizade rara é a verdadeira amizade”, explicam as autoras.

 

O que é a Síndrome de Moebius?

Identificada em 1892 por um neurologista alemão a Síndrome de Moebius é uma doença rara, com uma incidência aproximada de um em cada 50.000 recém-nascidos. Caracteriza-se por paralisia oculo-facial congénita, com consequente face inexpressiva e estrabismo, explica o site da Raríssimas.

Sucção ineficaz, encerramento palpebral incompleto durante o sono e boca permanentemente aberta, além da ausência de sorriso, de pestanejo e dos movimentos laterais do olhar são outras das características. Em cerca de 10 a 15% dos casos ocorre défice cognitivo ligeiro a moderado.