Chama-se Nuno Silva e, aos 22 anos, apresentou o seu terceiro livro de poesia. Um feito, por si só, digno de realce, mas que ganha uma dimensão superior quando constatamos que o jovem de Parada de Todeia, em Paredes, sofre de paralisia cerebral. Uma doença que lhe limita a mobilidade, mas que não foi suficiente para lhe coartar uma criatividade que se alimenta de temas como a morte e o medo, mas também do amor e da amizade.

É em torno de um universo escuro e dramático, mas onde também há lugar para a esperança, que Nuno Silva pretende continuar a desenvolver a sua escrita e continuar a sonhar em tornar-se um escritor profissional.

Mas, para já, vai concentrar-se em tirar a carta de condução de automóveis, para que possa ser mais autónomo.

Formação académica suspensa

Nuno Filipe Oliveira da Silva é um filho de Parada de Todeia, freguesia do concelho de Paredes onde viveu ao longo dos seus 22 anos. Foi também nesta localidade que, apesar de sofrer de paralisia cerebral desde a nascença, frequentou o primeiro ciclo do ensino básico. Depois foi aluno nas escolas de Baltar. Primeiro na Preparatória e depois na Secundária, na qual concluiu o 12º ano de escolaridade. “Foi aí que me descobri. Foi o melhor tempo da minha vida”, recorda numa conversa com o VERDADEIRO OLHAR.

Deste tempo sobram também “momentos em que as pessoas não sabiam aceitar o [seu] problema”, que lhe criou diferentes dificuldades. “Mas nunca me senti descriminado”, assegura.

Após a conclusão do ensino secundário, Nuno Silva suspendeu, por tempo indeterminado, a formação académica. “Frequentei o curso de Humanidades, mas ainda não sei o que quero fazer e aprender. Estou assim há dois anos”, refere.

Virá a altura em que definirá o futuro, mas de imediato pretende, somente, tirar a carta de condução de automóveis.

Suportou custos com a edição dos livros, porque não tem coragem para apresentar trabalho a uma editora

O jovem de Parada de Todeia começou a escrever cedo e numa fase em que “abominava” que os professores limitassem uma criatividade que o levou a escrever o primeiro poema com 15 anos. “Sempre tive gosto pela escrita”, confessa.

O seu primeiro livro, “Flor de Espinhos”, foi, por isso, uma antologia dos poemas que foi escrevendo nos primeiros anos em que se dedicou àquilo que considera uma paixão. Seguiu-se “Flor de Lótus”, publicado em 2013. “É um livro de transição entre o negro e o branco”, explica.

No passado sábado, no auditório da Junta de Freguesia de Parada de Todeia, Nuno Silva apresentou “Frágil”, o terceiro livro de uma bibliografia que quer continuar a alimentar.

As obras do jovem escritor não deixam de reflectir as amarguras de uma vida marcada por uma doença que lhe marca o físico e que lhe tolda a mente. “Tudo aquilo que escrevemos é uma consequência do que somos”, assume. “Estes livros são a prova para as pessoas que eu, apesar das dificuldades, consigo fazer o mesmo que elas”, acrescenta.

E é mantendo esta luta contra o preconceito que Nuno Silva sonha em fazer da escrita um modo de vida. “Fui eu que suportei os custos com a edição dos livros. Era fantástico que uma editora se interessasse pelos meus poemas, mas não tenho coragem para apresentar o meu trabalho”, revela.

De imediato, tem a garantia que a Junta de Freguesia de Parada de Todeia e a Câmara Municipal de Paredes vão comprar alguns exemplares do seu último livro.

 

Professor e escritor Aires Montenegro apresentou “Frágil”

“A caneta aproxima-se mais do punhal do que da flor”

Aires Montenegro, autor de cinco obras publicadas pela Chiado Editora, considera que a “poesia do Nuno é dura, magoa, dói”. “A caneta aproxima-se mais do punhal do que da flor”, descreveu durante a apresentação de “Frágil”, livro no qual se percebe, sustentou, que “a viagem interior foi grande”. “O Nuno está a fazer-se poeta, está a descobrir-se. É um poeta em construção. Mas é de realçar que, tão novo, o Nuno consiga escrever de forma tão profunda e com um estilo muito pessoal”, disse o antigo professor de Filosofia da Escola Daniel Faria, em Baltar.

No diálogo que manteve com Aires Montenegro, Nuno Silva admitiu que “a morte é um mistério” que gosta de explorar. Mas advertiu: “escrever sobre a morte é só uma forma de me lembrar que tenho de viver”. “Tenho uma relação com a morte na minha poesia, não porque me apetece morrer, mas simplesmente porque ela existe”, acrescentou.

Nuno Silva recusa, aliás, qualquer estigma. “Por muito que a vida me bata eu sou um privilegiado”, defende.

Mesmo assim, assegura que espera “desconfortar muita gente” com os seus livros. “A minha poesia não é para ler enquanto se come biscoitos e bebe chã”, alega.