As regras do Estado de Direito obrigam a que a atuação dos tribunais não se confunda com a justiça popular. Não deixemos que a histeria mascare a gravidade dos crimes que o juiz Ivo Rosa imputa a José Sócrates. A decisão entende que este recebeu fundos de origem ilícita e que falsificou documentos.

Sócrates foi pronunciado por três crimes, cujas penas podem chegar aos 12 anos de prisão, a que acrescem outros três, cujas penas podem chegar aos três anos.

Apesar de ser pilar fundamental de qualquer Estado, raramente a Justiça recebe tanta atenção como por estes dias. Ainda que seja importante que os tribunais não deixem de atuar como integrando determinada comunidade, as regras do Estado de Direito obrigam que a sua atuação não se confunda com a justiça popular.

Face à histeria que a decisão instrutória do Processo Marquês, há dois pontos que merecem atenção.

Por um lado, o processo não chegou ao seu término. Da mesma forma que não estava em jogo a condenação de arguidos (mas, apenas, a sua sujeição a julgamento), também a decisão não é definitiva. Houve, nesta fase, uma interpretação judicial dos elementos do processo, que difere, em parte, da interpretação que deles foi feita pelo Ministério Público. Agora, teremos um tribunal superior a pronunciar-se e a decidir qual a posição que prevalece. Isto não é mais do que o sistema a funcionar – sistema que não foi (tenha tida de ser) criado a pensar neste caso em concreto.

Há situações que nos devem preocupar a todos, o que não é privativo, mais uma vez, deste caso concreto. A celeridade processual é o maior dos males da Justiça em Portugal. Infelizmente, tal não ocorre apenas nos mega-processos, mas nos processos em geral. Também a capacidade do Ministério Público de investigar e montar uma acusação sustentada e vigorosa deve ser questionada, uma vez que é aquela entidade a representar o Estado, ou seja cada um de nós, no combate ao crime, nomeadamente à corrupção.

Por outro lado, não é verdade que a decisão instrutória que ora se discute em público tenha desconsiderado em absoluto a acusação e assim declarado a inocência dos arguidos. Em particular, no que concerne a José Sócrates, a decisão de pronúncia entende existir nos autos indícios suficientes da prática de três crimes de branqueamento de capitais e outros tantos de falsificação de documentos. Ainda que existisse (e continue a existir, uma vez que tal ainda pode ser revertido pelo Tribunal da Relação), em muitos, a expectativa de que José Sócrates viesse a ser julgado por corrupção, é importante não esquecer o relevo dos crimes de que este foi pronunciado. Desde logo, o juiz Ivo Rosa considera que os elementos de prova apontam para a receção, por José Sócrates, de fundos de origem ilícita! Além disso, considera que aquele arguido falsificou documentos. Se José Sócrates veio defender que as mentiras foram desmascaradas, não foi pouco o que ficou por desmascarar.

Sócrates foi pronunciado para ser julgado por três crimes, cuja pena de cada um pode chegar aos 12 anos de prisão, a que acrescem outros três, cuja pena pode chegar aos três anos por cada um.

Não deixemos que a histeria nos faça esquecer a gravidade dos crimes relativamente aos quais o juiz Ivo Rosa entende existir indícios suficientes e pelos quais deverá Sócrates ser sujeito a um julgamento justo e imparcial.