Entrar na exposição sobre Mineração Romana em Valongo, patente no Museu Municipal, funciona como uma viagem no tempo que permite, em dois pisos expositivos, recuar dois mil anos, ficando a conhecer mais sobre o património do concelho.

Há uma pepita de ouro, guardada por um legionário e um centurião romanos, vários artefactos ligados à época e à extracção do ouro nas serras de Valongo e até mesmo a réplica da galeria de uma mina para descobrir.

A mostra estará patente até ao final de 2019 e tem entrada gratuita. Tem sido visitada por um público muito heterogéneo, que vai desde crianças do infantário a geólogos e arqueólogos, assim como muitos curiosos.

O objectivo principal é preserva a memória e identidade de Valongo, concelho onde está localizado o maior complexo subterrâneo de extracção de ouro de todo o Império Romano.

Pepita de ouro é rara e foi encontrada nas serras do concelho

Paula Costa Machado é museóloga e está há 19 anos no Museu Municipal de Valongo. É ela quem nos conduz numa visita guiada em que fala apaixonadamente de cada pormenor.

“Esta exposição nasceu da vontade do senhor presidente no sentido de dar a conhecer o nosso património e sobretudo o património natural que depois se transforma em património cultural”, explica.

Depois de uma exposição sobre trilobites, seres que também habitaram as Serras do Porto, decidiu-se avançar com uma mostra sobre a exploração de minérios, neste caso do ouro. “Sabíamos que tínhamos tido presença romana, por uma série de artefactos que foram encontrados nos anos 60 e pelas cavidades enormes que temos a marcar a serra, os fojos. Depois porque houve uma série de trabalhos que foram feitos por causa do Parque das Serras do Porto e verificou-se que, ao contrário do que tínhamos pensado inicialmente, não tínhamos só um mas dois tipos de exploração mineira”, conta a museóloga.

Numa conjugação de esforços, em articulação com várias instituições, foi possível reunir um espólio que retrata a vivência romana daquela época, dando a conhecer dois mil anos de história.

“O ponto de partida desta exposição é uma pepita de ouro guardada por um legionário e um centurião. Essa pepita tem muito significado porque foi a primeira doação que o Museu recebeu pouco tempo depois de ter aberto em 2001”, salienta Paula Costa Machado.

Segundo a responsável pelo Museu de Valongo, a pepita foi encontrada nas serras do concelho nos anos 30, altura em que o país estava em crise, e foi mantida pela família mesmo na altura da guerra. “Para nós foi muito significante enquanto objecto que é testemunho das mineralizações auríferas daqui, mas sobretudo por essa noção de pertença. Algo que não era para vender ou trocar por dinheiro mesmo em épocas muito difíceis”, refere, lembrando que apesar de não ter um grande valor material esta peça é uma raridade já que nas serras existem sobretudo “minúsculos pontinhos de ouro”.

Há machados que estiveram longe da vista durante 100 anos

A mostra está dividida por dois pisos, com o rés-do-chão a funcionar como uma contextualização da vivência romana. “Não só se explorava, era preciso haver quem trabalhasse na agricultura, na tecelagem, no fabrico de calçado, no fabrico cerâmico e de telhas que são necessárias à vida em comum. O rés-do-chão retrata essa ambiência”, conta a museóloga. Para ver há um espólio que estava disperso por vários locais. Entre os objectos está, por exemplo, “um conjunto de machados de bronze que saíram daqui da serra de Santa Justa e que estiveram praticamente invisíveis durante quase 100 anos, guardados em reserva”, diz a técnica. Há ainda um conjunto de 12 peças que saíram do Fojo das Pombas durante escavações feitas nos anos 60 que retratam a vida das pessoas que trabalhavam no interior da mina e das que vigiavam o trabalho. Nesta exposição está também patente um “espólio de escavações arqueológicas de emergência feitas em 2005 que reforçam essa dicotomia social”, acrescenta Paula Costa Machado.

Já no primeiro piso é explicado o processo de mineração. “Começa com a formação do ouro e depois desenvolve todas as fases desde as mineralizações até à exploração primária e secundária, o tratamento e depois temos obviamente a cereja em cima do bolo, maquetes interactivas e visões para quem não pode descer a uma mina, que a pode apreciar em temos fotográficos e muito melhor que isso experienciá-la numa galeria que imita, à perfeição, os recantos da mina onde não falta inclusive um poço que poderá ter quase 30 metros quando aqui o pé direito é de três”, descreve. Existe, entre outros, maquinaria do século XIX usada para ensinar engenheiros de minas, peças de museu cedidas pelo ISEP – Instituto Superior de Engenharia do Porto, vídeos e fotografias sobre o património de Valongo e a recriação da galeria de uma mina acessível a todos e com inúmeros pormenores.

“As pessoas com mobilidade reduzida não têm hipótese de descer a uma mina. Isto tenta ser o mais inclusivo possível, dando a sensação do que é estar neste espaço”, sustenta a museóloga, referindo que está a ser feita a consolidação da mina original para que possa abrir à visitação. “Enquanto uma está a ser trabalhada para ser futuramente visitada esta pode ser vista”, diz.

A par disso, está a ser feito “um trabalho mais exaustivo de mapeamento através das novas tecnologias para dar a conhecer de forma virtual” os espaços existentes.

Oficina vai permitir batear à procura de ouro

“A dificuldade gere-se em conseguir articular tantas peças num conteúdo único e contínuo e que as pessoas não se dispersem e percebam que isto é uma cadeia e que tudo interliga com tudo”, afirma Paula Costa Machado. “As próprias escadas servem de ligação entre estes dois universos. E a finalidade é que as pessoas saiam daqui com uma experiência do que foi a vivência romana em todos os seus aspectos”, acrescenta.

Uma “viagem no tempo” que se consegue perceber com ou sem visita guiada.

O público que esteve na mostra nestes primeiros dois meses de exposição foi heterogéneo. “É muito curioso porque temos tido desde crianças pequeninas, de três anos, que vêm dos infantários, que quando entram a qui ficam ligeiramente espantadas com os dois militares romanos e depois acham imensa piada e muito rapidamente fazem perguntas muito engraçadas. Chegam ali ao que seria uma sala de estar e procuram e depois perguntam ‘e a televisão?’”, dá como exemplo. Depois há os mais velhos, que vêm consolidar aprendizagens, alunos de arqueologia, que procuram uma visam mais técnica, e mesmo geólogos que querem alargar conhecimentos. “Depois temos os curiosos que vêm sem visita guiada e acham espantoso sobretudo como é que algumas das peças que temos aqui são tão parecidas com as nossas. Tentamos mostrar que é ao contrário, as nossas é que são parecidas com essas”, brinca.

Esta mostra pretende, no fundo, preservar a memória e identidade do concelho. “Só se preserva aquilo que se conhece. Se nós não dermos a conhecer aquilo que temos e não colocarmos as pessoas, o vulgar cidadão, a ser curioso e a achar que isto são testemunhos interessantes porque reflectem as nossas bases, a nossa identidade, também não podemos exigir que ninguém preserve ou venha trazer alguma coisa que encontrou”, acredita Paula Costa Machado. “É importantíssimo que haja essa ligação entre passado e presente e obviamente lançando sementes de futuro, porque hoje estamos cá nós e amanhã estarão os pequeninos de três anos que agora cá vêm”, defende.

A exposição estará patente até ao final de 2019. Pode ser visitada todos os dias, de forma gratuita, de segunda a sexta-feira, das 9h00 às 12h30 e das 14h00 às 17h30. Podem ser organizadas visitas guiadas para grupos por marcação.

No futuro ainda haverá novidades, promete a museóloga. “Ali no pátio irá ser feita uma oficina, para estar concluída na Primavera, para que com a força da água consigamos ter um parafuso de Arquimedes, a ascensão da água, a sua queda numa roda, o uso dos pilões para moer e partir a primeira pedra, depois a sua farinação e depois o bateamento”, sustenta. Isso trará ainda mais interactividade. “Poderão meter a mão na massa ou partir pedra no sentido real do termo e batear para tentar encontrar, obviamente, um minúsculo fragmento de ouro. Isso também será um atractivo para miúdos e graúdos de certeza”, conclui.