A maioria dos trabalhadores da Sousacamp, na Madalena, em Paredes, não aceita a rescisão amigável de contratos que está a ser proposta pela empresa. Os funcionários garantem que só saem se forem despedidos. Prometem também lutar para manter os postos de trabalho.

Os trabalhadores e os representantes sindicais reuniram-se, hoje, em plenário, depois de a empresa, em processo de insolvência desde 2018, ter anunciado que 100 funcionários iriam ser dispensados da unidade de Paredes, onde encerrariam os sectores de colheita e produção, mantendo-se as áreas de embalamento e expedição.

“Depois desse anúncio os trabalhadores têm sido chamados um a um e tem sido feita uma proposta de rescisão amigável, diz a empresa, mas isto de amigável não tem nada, até porque é apresentada de forma prepotente e dizem ‘se não aceitas agora para a semana tu vais ver’”, explicou José Eduardo Andrade, do Sindicato dos Trabalhadores da agricultura e das indústrias de alimentação, bebidas e tabacos de Portugal (SINTAB).

Segundo o dirigente sindical, cerca de 50 pessoas já foram chamadas. “Um ou outro trabalhador assinou. Dois ou três assinaram, mas pediram para anular o acordo. Estamos a aconselhar as pessoas a não assinar”, salientou, voltando a frisar que a empresa está a fazer propostas que dão aos trabalhadores “valores abaixo daquilo que a lei prevê em caso de despedimento”.

“Na última assembleia de credores, o administrador de insolvência garantiu à comunicação social que a Sousacamp não ia fechar nenhuma fábrica nem despedir trabalhadores. Agora há um anúncio oficial de que vai fechar a produção de cogumelos em Paredes. E tem havido segregação de trabalhadores, porque a acção não está a incidir só sobre os funcionários que estavam na apanha de cogumelos”, argumenta José Eduardo Andrade. Muitas relatam que estão a ser convidadas a sair das secções que se mantêm a funcionar, enquanto colegas que estavam na produção estão a ocupar os seus postos de trabalho.

Perante esta realidade, o sindicato convocou uma greve para o dia 30, dia da assembleia de credores no Tribunal de Vila Flor, extensível a todas as empresas do Grupo Sousacamp. Será “uma acção de protesto e denúncia junto de quem tem o poder de decidir o futuro da empresa para que percebam que isto só faz sentido com a salvaguarda dos postos de trabalho”, argumenta o dirigente sindical.

Mesmo quando passou dificuldades, a empresa conseguiu pagar salários a todos. “Se agora existe dinheiro a entrar na empresa a perspectiva é que se produza mais, porque é que não se garantem os postos de trabalho?”, questiona, lembrando ainda o perdão de dívida concedido.

“É ÓBVIO que não queremos acordos, queremos os nossos postos de trabalho. Não vamos desistir”

Em Paredes trabalham cerca de 130 pessoas. Perante a dispensa da maioria dos trabalhadores, quem ali dedicou os últimos 10 a 12 anos da vida promete não sair sem dar luta.

É o caso de Alice Sousa. “Se quiserem mandar-me embora que me mandem, mas tudo legalmente”, frisa. Trabalha há 10 anos na Sousacamp e garante que os acordos propostos não são justos. “Fizeram-me a proposta de acordo na quinta-feira. Fui saber os meus direitos e achei que não era justo. A mim interessa-me o meu ordenado ao final do mês”, argumenta. “Tentei fazer acordo com o administrador de insolvência. Não aceitou e disse que era para todos igual e que também quem assinasse os contratos recebia até ao final do mês, quem não assinasse poderia ou não receber esse dinheiro. Isso foi intimidar as pessoas”, acusa a trabalhadora. “É óbvio que não queremos acordos, queremos os nossos postos de trabalho. Não vamos desistir”, promete Alice Sousa, de 38 anos, casada e com três filhos.

Matilde Ribeiro vive sozinha e tem a cargo três crianças menores. Trabalha na empresa de Paredes desde 2009. Foi uma das primeiras a ser chamadas para receber a proposta de rescisão por mútuo acordo. “Disseram que se houvesse casais saía um e ficava o outro e para meu espanto não olharam à minha situação. Há aqui casos em que há quatro pessoas a trabalhar da mesma casa e nenhum foi chamado e há casos de casais que não foram chamados”, critica a mulher de 48 anos, dizendo-se revoltada. “Não aceito o acordo. Preciso do trabalho e não do dinheiro, que o dinheiro acaba e depois não tenho nem uma coisa nem outra. Se ficar agora desempregada será muito difícil arranjar trabalho. Quem me vai aceitar desta idade? Sou velha para trabalhar, mas sou nova para a reforma”, aponta.

“O que mais me indignou é que o administrador de insolvência sempre disse que os nossos postos de trabalho não estavam em risco”

Só sai se for despedida. O mesmo diz Manuela Ribeiro, que trabalha ali quase há 12 anos. “Já recebi a proposta de acordo. Não aceitei. O valor não está correcto e também não acho correcto eu sair do meu posto de trabalho para irem para lá outras colegas”, refere. Ela trabalha na zona de expedição, que vai manter-se, mas há colegas da produção, área que vai ser extinta, a ocupar o seu lugar. “No dia da proposta, antes cinco minutos pediram-me para vir trabalhar ao fim-de-semana. E eu disse que sim, porque sou mãe, estou sozinha e tenho de suportar as contas”, explica a trabalhadora de 48 anos que tem um filho de 14. Acredita que foi escolhida para sair por ser sindicalizada.

Caso idêntico ao de Guilhermina Monteiro, que além de pertencer ao sindicato se assume como “reivindicativa dos direitos”. Trabalha há nove anos na expedição. Tem 50. É mais um caso que está longe da idade da reforma, mas que julga que será difícil que lhe dêem uma oportunidade no mercado de trabalho. “Já me fizeram a proposta na sexta-feira. Estava de férias e recebi um telefonema. Vim cá e disse logo que não à proposta. Há um novo investidor, há dinheiro e houve perdão de dívida. Aqui nunca faltou trabalho. Sempre demos o litro. Isto tem tudo para funcionar”, defende a funcionária. “O que mais me indignou é que o administrador de insolvência sempre disse que os nossos postos de trabalho não estavam em risco, que trabalhássemos que isto era viável e agora que há investimento e capital dispensam 100 funcionários. Trataram-nos como um produto descartável”, lamenta a mulher. “Só saio se for despedida, um acordo amigável está fora de questão”, garante.

Ao contrário das colegas, Jorge Bessa, de 35 anos, até acredita que arranjaria trabalho noutro local, na área da carpintaria, agora com muita procura. Mas também ele quer ficar. “Ainda não fui chamado para fazer acordo, mas não aceito. Se têm funcionários a mais que avancem com despedimentos e paguem as indemnizações correctas. Sempre gostei de trabalhar aqui. Eu nem tenho problema de arranjar emprego, mas para as minhas colegas não será assim tão fácil”, reconhece.

Contactado pelo Verdadeiro Olhar, o administrador de insolvência, salienta que o que está em cima da mesa são “rescisões voluntárias e por mútuo acordo, com liquidação integral dos respetivos créditos laborais”. “Estamos perante um Grupo em reestruturação para o qual, felizmente, se perspectiva um bom desfecho, com a sua recuperação e manutenção no mercado, assegurando-se a liderança do sector e a criação de condições para crescer e reforçar essa dimensão no futuro”, refere Bruno Costa Pereira.

Recorde-se que no final do ano passado, veio a público que uma gestora de capital de risco iria adquirir a Varandas de Sousa, a principal empresa do Grupo Sousacamp, que tem 450 trabalhadores. Haveria ainda um perdão de dívida de dois terços de uma dívida de 60 milhões de euros. Mas o administrador de insolvência adiantou que haverá dispensa de trabalhadores na unidade de Paredes. A produção será concentrada nas fábricas de Vila Flor e Vila Real.