Se lhe perguntarem se é contra ou a favor da eutanásia sabe o que responderia? Foi para ajudar a população a perceber mais sobre o tema e as implicações que isso tem nos profissionais de saúde que o Hospital Padre Américo, em Penafiel, acolheu, esta quarta-feira, aa primeira iniciativa do ciclo “Diálogos no Hospital”, desta vez tendo como tema a Eutanásia/Morte Assistida.

A iniciativa teve como convidados Miguel Oliveira da Silva, professor catedrático de Ética Médica na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa e elemento do Bureau da DH-Bioética do Conselho da Europa; o padre Anselmo Borges, padre da Sociedade Missionária Portuguesa e docente de Filosofia na Universidade de Coimbra; e Miguel Ricou, presidente da Comissão de Ética da Ordem dos Psicólogos Portugueses e fundador da plataforma europeia “Wish to Die”.

Ficou claro que há ainda muita confusão no que toca a conceitos como eutanásia, morte assistida ou suicídio assistido, entre outros, e que esta tentativa de legislar sobre o tema sem que os partidos tenham colocado a eutanásia no seu programa eleitoral nas últimas legislativas não faz sentido.

“A eutanásia já não é tema tabu”

A sessão contou com o presidente do Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa, Carlos Alberto, que lembrou o trabalho feito no último ano, que valeu ao hospital um prémio que o reconhece como o melhor da sua dimensão a nível nacional, e afirmou que 2018 vai ser o ano da humanização de cuidados no Centro Hospitalar. “Neste ciclo de diálogos, agora lançados, queremos ter um conjunto de temas disruptivos e começar com estes oradores é começar na Liga dos Campeões”, brincou, mostrando-se satisfeito com o número de pessoas presentes na assistência.

“A eutanásia já não é tema tabu”, sustentou de seguida o padre Crespo, capelão do CHTS. “Não é tema em que o agnóstico e o ateu estejam a favor e os crentes contra. Estamos aqui para dialogar e aprofundar o que está em causa, as virtualidades e os problemas que a legalização vai pôr à sociedade”, acrescentou o pároco, lembrando o risco de estas questões passarem a ser tratadas por uma “medicina de vão de escada”.

Na abertura do debate, o moderador, Francisco Coelho da Rocha, director do Verdadeiro Olhar, frisou que o assunto é “polémico” mas que o objectivo é contribuir para a sua discussão com um diálogo “sereno e humanizador sobre o tema”.

A primeira intervenção coube a Miguel Oliveira da Silva. “A eutanásia para mim é um acto livre e voluntário de antecipação da morte natural que é aceite pelos profissionais de saúde. Não a vamos confundir com suspensão terapêutica nem com suicídio medicamente ajudado”, afirmou o professor catedrático.

O especialista em ética citou a realidade americana para dizer que, nos Estados Unidos, em 36% dos casos de pedido de suicídio assistido as pessoas levam a medicação para casa mas não a tomam. Já na Europa, mais concretamente na Holanda e na Bélgica, existe o direito de pedir a eutanásia mas não o direito à eutanásia, clarificou, já que o pedido pode ser recusado pelos médicos.

Miguel Oliveira da Silva lembrou ainda que nenhum partido incluiu no seu programa eleitoral a eutanásia. “O que quer que aconteça em Portugal gostava que houvesse uma manifestação da sociedade que não venha de cima para baixo nem seja uma jogatana política como aconteceu com a interrupção voluntária da gravidez”, disse.

Salientou ainda a importância do testamento vital para facilitar as decisões médicas.

“O pedido de eutanásia é irreversível e deve haver maiores garantias de que o pedido do doente corresponde à sua vontade. Mas há pessoas que querem morrer, que não vão mudar de ideias”

Já Miguel Ricou defendeu que faltam estudos sobre o tema. “No caso do suicídio está estudado que 90% das pessoas alteram a sua opção. Mas não houve nenhum estudo em relação à eutanásia em que se perceba quanto tempo uma pessoa pode demorar a mudar de ideias”, afirmou.

Para o presidente da Comissão de Ética da Ordem dos Psicólogos Portugueses “os profissionais de saúde têm que fazer o melhor para os doentes”. “Se o melhor for matá-los, então que se faça”, defendeu, argumentando que nunca vai haver 100% de certeza sobre a opção de alguém. “O pedido de eutanásia é irreversível e deve haver maiores garantias de que o pedido do doente corresponde à sua vontade. Mas há pessoas que querem morrer, que não vão mudar de ideias e que o melhor para elas é mesmo morrer”, frisou.

Por outro lado, sobre a questão legislativa, Miguel Ricou sustentou que tomar a decisão de legislar sem ouvir o que as ciências e as práticas médicas têm a dizer é “prematuro”.

Confrontado com a ideia de se a melhoria na qualidade dos cuidados paliativos poderia alterar esta realidade, Miguel Ricou foi peremptório: “Nunca vamos ter excelentes cuidados paliativos para toda a gente. Dizer que só vamos aceitar a eutanásia quando tivermos cuidados paliativos de qualidade é dizer que nunca a vamos aceitar”.

Entre os oradores esteve ainda o padre Anselmo Borges que defendeu a necessidade de pensar o tema. “Neste domínio não vai haver vencidos nem vencedores, acabaremos todos vencidos pela morte, mas é preciso que haja conceitos claros”, referiu. E numa sociedade “cada vez menos humanista” legislar a eutanásia deve merecer grande atenção. “Temo que numa sociedade pouco humanista e orientada para o dinheiro uma legislação inadequada da eutanásia possa levar a questões graves. Pode haver sub-repticiamente um empurrão para que alguns avancem para a eutanásia”, avançou.

Anselmo Borges concorda também que a questão não foi sufragada pela população porque os partidos não a colocaram no programa eleitoral. “Os portugueses não escolheram. Acho que seria preferível deixar as coisas como estão”, concluiu.

Confrontados com a ideia de um referendo sobre o tema, nenhum achou que viesse resolver o impasse, até porque a forma como é colocada a questão vai condicionar a resposta.

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