Enquanto esperava…

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Não, não era no fim da rua, como na música dos Xutos. Era mesmo na urgência do Hospital Padre Américo e já tinham batido as 6 da manhã.

Os meus vícios- agora menos do que antes – acabam, uma vez por outra, por causar alguns incómodos. Um adito nunca é culpado de coisa alguma. Desta vez culpo o Miguel Oliveira, um portuguesito que anda numa mota e é capaz de andar melhor a 350k/hora do que eu , a pé, consigo dobrar a esquina da sala para o corredor. A geografia ajudou ao acidente. Uma prova de motos quase nos antípodas de Portugal, para ser vista em direto, faz-nos entrar pela madrugada. Até às 5 da manhã, desta vez. Vai daí que quando o 88 não fica nos primeiros lugares vem-nos mais o sono do que quando ele voa à chuva. Desta vez a prova em Melbourne, na Austrália, até foi a melhor do ano, com o senão do português da KTM ter ficado longe dos primeiros lugares. E foi assim que, mais sono menos sono, desta vez, batemos – finalmente! – na esquina da porta.

Acabo de ser suturado por uma médica simpática, que tem tudo para vir a ser uma excelente profissional. Deve ser o primeiro ano que exerce. Sem grandes certezas, o que é bom para quem começa a exercer medicina. Negociou comigo o tratamento. Literalmente. A cada conclusão que chegávamos a responsável menina tirava uma fotografia que enviava, de imediato, ao seu superior para saber da opinião dele. Pelo que me apercebi, os doutores, os seniores, ou estavam a trabalhar nos pisos superiores ou só entrariam ao serviço no turno da manhã. Ou, porventura, aos fins-de-semana só trabalham os caloiros, sei lá! Regalias, talvez!

Durante a noite, neste enorme hospital que serve quase meio milhão de portugueses, só dei conta da curiosidade de dois seguranças que me questionaram sobre o meu estado. Presumi que era a minha saúde que os preocupava, mas não nego que pensei que eles queriam saber era se estava bêbedo, como é comum por estes lados, sobretudo aos fins-de semana. O álcool amortece a frustração de quem trabalha para empobrecer e faz colorir os sonhos que só sonhamos.

É verdade que só a profundidade do golpe e o seu tamanho, para além do sangue que não parava de jorrar, me fizeram deslocar ao hospital, mas não será por isso que, pese a diligência já referida da jovem médica, só registei a presença de duas assistentes administrativas que me atenderam rapidamente e sem grandes burocracias, uma operacional que, quase por favor, me ordenou: você sente-se ali! Disse bem porque era ali que eu me devia sentar. Quanto à delicadeza, quem é que a arranja por cinco ou seis centos de euros, a trabalhar a noite inteira? Não lhe levei a mal, mas estive quase a desculpar-me dizendo-lhe que não era por minha culpa que ganhava tão pouco. Para além destes só o enfermeiro da triagem, também ele novo, fez o que lhe competia e com o profissionalismo que se lhes exige.

Dei comigo a pensar no SNS. Não cabem nesta crónica as minhas impressões e convicções.

Alta só às 8, quando vierem os seniores. Está coisa de saber mais, ganhar mais, não os devia fazer trabalhar, pelo menos, tanto como os juvenis e, principalmente, não os deviam acompanhar mais tempo?

Ainda bem que a afluência era pouca e o Benfica ganhou, senão ia ser “o …das Caldas”.

Começou a contar o tempo para ter alta. São 8 horas.

Ficamos curiosos. Não vão chegar tarde os seniores do turno da manhã. Creio, mas não aposto.

Pontualmente, uma médica, poucos minutos depois das 8, concedia-me a necessária alta.

Não era sénior, mas pareceu-me competente.