Nos últimos tempos, a minha presença nas redes sociais tem sido caracterizada pelo estilo zaping. Num tempo de isolamento, em que se louvam as maravilhas do digital para a aproximação das pessoas, tenho, paradoxalmente (ou não), escolhido outras formas de ocupação, para as quais o tempo era sempre escasso. Tal não significa que não reconheça as vantagens da “santa” Internet.

Numa altura em que sobra tempo, avolumam-se as publicações sobre tudo e todos, de tal forma que o telemóvel é já uma extensão do corpo humano. A profusão da informação, por vezes contraditória, surge emaranhada na opinião e é preciso algum esforço para proceder à separação das águas. Como este é um trabalho moroso, que implica leitura, análise de argumentos e abertura para a discussão sem (pré)conceitos, sucedem-se antes os debates de surdos (neste caso, invisuais), as ofensas, os juízos de valor, a falta de sustentação das afirmações…Preze embora a intervenção louvável de muitos juízos críticos e ponderados, pulula o discurso medíocre, orientado para a discussão das pessoas e não das ideias.

A mesma afirmação, ponto de vista ou simples partilha de um conteúdo não vale o mesmo independentemente de quem os produz. É a velha questão da credibilidade das fontes, dirão alguns. E têm uma certa razão. Também escolho muitas vezes o que leio em função de quem o produz. Não posso, contudo, quando não me encontro no universo ideológico dos que escrevem uma opinião ou fazem uma partilha, denegrir a sua imagem. Vêm estas considerações a propósito de várias situações que fui observando nos últimos tempos. Sem querer maçar-vos, vou dar um exemplo. Dois cidadãos diferentes, lousadenses, partilharam uma notícia de um órgão de comunicação regional que dava conta do aumento do número de infetados com Covid-19 em Lousada. Um foi achincalhado e acusado de não gostar de Lousada. O outro alimentou a discussão, na qual se podia ver a preocupação das pessoas e o apelo aos comportamentos responsáveis.

O cerne da questão está na educação para a cidadania (ou na falta dela). O Ministério da Educação já deu conta de que é necessária uma intervenção mais musculada a este respeito nas escolas para “contribuir para a formação de pessoas responsáveis, autónomas, solidárias, que conhecem e exercem os seus direitos e deveres em diálogo e no respeito pelos outros, com espírito democrático, pluralista, crítico e criativo, tendo como referência os valores dos direitos humanos”. Palavras bonitas que não refletem aquela que é a postura das pessoas nas redes sociais. Já nem vou falar daqueles que se entretêm a denegrir a imagem dos outros deliberadamente, caluniando, levantando suspeições infundadas…

Vivemos circunstâncias excecionais, que requerem medidas excecionais, mas a democracia não foi suspensa. Exercer os direitos de cidadania (ou ser bom cidadão, se quiserem) não significa que devamos deixar de lado o espírito crítico. Tenho lido alguns comentários que me têm intrigado e que assentam nos (pré)conceitos que referi. Algumas críticas e sugestões ao Governo ou autoridades de saúde, umas vindas de cidadãos anónimos, outras de partidos políticos, num tom cordial, adequado à situação de unidade que nos deve caracterizar neste momento, têm recebido duros comentários por parte dos internautas, acompanhados dos argumentos de que abalam a unidade necessária ou são aproveitamento político. A maior parte das críticas são orientadas por questões políticas e não somente pela avaliação das ideias. Mais: as pessoas esquecem-se que, de cada vez que o Governo omite, se desvia de uma questão dos jornalistas e mente, está a fazer política.

Portanto, para aqueles que não querem política neste momento de grande sofrimento para todos, esqueçam! Peçam apenas educação para a cidadania e isso chega!

Se a ela pudermos juntar a educação para os media, ainda melhor. “A adoção de comportamentos e atitudes adequados a uma utilização crítica e segura da Internet e das redes sociais” é também uma prioridade defendida pelo Ministério da Educação. Uma preocupação demasiadamente recente, defendida há duas décadas nos meios académicos e que eu própria defendo, pelo menos desde 2005.