Quem transpira política ou a vive intensamente sabe que umas eleições, independentemente do órgão a que nos referimos, são sempre um momento de extrema importância para a saúde e futuro da democracia. Se assim não fosse, as eleições livres e democráticas nunca teriam sido uma das nossas exigências no 25 de Abril de 74.

Neste sentido, caro leitor, façamos uma análise sobre as eleições europeias que se deseja simples, sem amarras doutrinais ou partidárias e mais do que tudo, sem extrapolar uma patética tendência autárquica no concelho de Paredes. A nossa gente merece mais.

Comecemos pelo óbvio: não foi o sol, a praia ou o café que fomentaram mais de dois terços dos eleitores portugueses a se abster de exercer uma das suas maiores conquistas: o voto em liberdade.

A Europa foi conquistada durante a geração dos nossos pais e avós. Foram eles que saídos de uma ditadura onde a fome, a guerra e o analfabetismo imperavam, se viraram para um sonho de um mercado único onde as pessoas, os bens e as mercadorias poderiam circular livremente sem fronteiras ou a burocracia das alfandegas estatais.

Contudo, ao longo dos tempos e depois de várias crises financeiras vencidas, Portugal e os Portugueses desligaram-se de uma Europa que os transformou e mudou radicalmente para sempre. Não somos um povo ingrato e muito menos que se esquece da história, mas somos um povo que se desilude facilmente com “amores de verão”. Foi assim com a Europa e foi assim com a Política.

Mas, centremo-nos na discussão e quais as razões dos números da abstenção.

Primeiro: a política.

Os portugueses estão desligados da política, dos seus eleitos e do estado em que o Estado está. É sintomático, eleição atrás de eleição, que os portugueses não gostam e não confiam na classe política que governa o nosso país. O povo sente-se injustiçado, desiludido e incapaz de voltar a acreditar nas palavras e nos sonhos que os discursos dos lideres partidários tentam vender. Por alguns, incompetentes e corruptos, paga a maioria da classe política. Como alguém nos disse um dia, hoje ser político é ter cadastro e não uma virtude.

Segundo: a Europa.

A Europa nasce após a Segunda e mais desastrosa Guerra Mundial que a terra já viu. Nasce depois de o Nacional Socialismo Hitleriano quase ter destruído séculos de história, cultura e de vidas que se construíram no território mais rico do mundo. Nasce após um dos mais brilhantes políticos europeístas ter sonhado que a europa podia e devia unir-se para nunca mais o inferno descer sobre ela. Foram estes 6 países ao leme deste capitão que a europa se reergueu e sonhou se transformar naquilo que é hoje.

Infelizmente, muito dos lideres que lhes seguiram não foram capazes de responder às exigências que o novo mundo assim o pedia. Sonhamos com um país europeu ao invés de construirmos a Europa livre e diversificada. Sonhamos com a união fiscal ao invés de construirmos um Europa mais solidária e menos injusta e desigual. Sonhamos tanto que nos esquecemos da legitimidade democrática, tanto pela distancia que vai de Lisboa a Bruxelas como pelos avanços sucessivos do projeto europeu sem o voto dos europeus. A elite sonhou com o federalismo, mas esqueceu-se que é o povo, na sua mais singela decisão que o tem de aceitar e não de ser imposto. Foram estas e muitas mais as razões que fizeram com que a Europa e o povo se distanciassem. Não é irreversível o estado desta relação, mas tem de ser cuidada e tratada com verdades e a transparência das decisões que apenas nós enquanto indivíduos podemos tomar através do nosso voto.

Terceiro: A verdade constrangedora.

Perdemos todos: os políticos, os partidos, o país e a democracia. E desengane-se quem diz o contrário.

Nesta batalha de diminuir os números da abstenção, não existem vitórias do poucochinho, vitórias dos partidos de esquerdas ou das direitas e muito menos vitórias dos partidos fora do sistema. Isto tudo é irrelevante.

A democracia está doente e todos os dias a empurramos um pouco mais para um lugar onde todos queremos fugir. São precisos lideres fortes, íntegros e capazes de nos fazer sonhar. Não basta querer mudar, é preciso liderar pelo exemplo e sem qualquer constrangimento do uso abusivo da ética e dos mais altos valores pelo que a democracia se rege.

Porque se assim não o fizermos, não somos nós que estamos em causa: é o futuro dos nossos filhos.

Até para a semana.