Cara oliveira

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Não tens a imponência de uma sequóia com 100 metros de altura e 15 de diâmetro na base e também não és mal-amada como o eucalipto com quem toda a gente embirra (tirando os das celuloses, claro!). Quando a idade te vai pesando, ficas encarquilhada, mas bem podes chegar a multicentenária, se não mesmo milenária. Lineu deu-te o nome científico de Olea europaea e és uma árvore caseira, simpática, mediterrânica e carregada de simbolismo. Foi de ti que a pomba, soltada da arca por Noé, regressou com um ramito no bico. Era o sinal tão aguardado de que as águas do Dilúvio tinham baixado. Sinal de paz, completado pela aliança representada também pelo arco-íris.

Desde então sempre acompanhaste o homem na sua história corrente, bem como na da sua salvação. No sopé do Monte das Oliveiras em Jerusalém, estava o horto de Getsémani, palavra que significa “lagar de azeite”: lá observaste a agonia de Jesus que pedia ao Pai que se possível Lhe evitasse os tormentos que se avizinhavam, mas que logo deram lugar a uma plena aceitação.

Se as árvores são boas consoante os frutos que dão, o teu excelente azeite dá-te muita da boa fama que te acompanha desde tempos antigos, pois além de alimento, iluminava as casas e servia para tratar as feridas, como no caso do bom samaritano. Por tudo isto não admira que seja o óleo escolhido para as unções de reis e profetas e também as do batismo, crisma e unção dos doentes.

O teu azeite é um tempero e alimento excelente e também caro, o que não admira até pela quantidade de azeitonas para dar um litro de azeite: cinco a oito mil! Por falar em azeitonas, é outro dos teus produtos que tanto se aprecia. Um velho amigo, professor com quem convivi nos Estados Unidos e conhece bem Portugal, dizia que “a felicidade é um pratinho de azeitonas!” E depois a enorme variedade em que se encontram as azeitonas; com caroço e sem ele, verdes ou pretas e até recheadas. Um espanto!

A apanha de azeitona é um processo curioso, em que o tradicional varejamento se substitui por uma forte vibração que se aplica ao tronco. Acho que as varas não te agradam por aí além, pois te estragam as folhas que te levam muito tempo a recuperar. À vibração achas uma certa piada e não te estraga nada, embora te faça cócegas.

Ainda quanto ao teu azeite, deves sentir-te contente pelo lugar de relevo que ocupa na chamada dieta mediterrânica, a qual se considera especialmente vantajosa para a saúde. E é interessante que o azeite se empregue em tantos pratos saborosos (que te parece colocar à cabeça o fiel amigo bacalhau cozido com batatas?). E também que haja tantas famílias com o nome de Oliveira: bem ao jeito português, normalmente associado a outro apelido. De resto, há várias árvores cujos nomes sevem também para nomes de gente, como a nogueira, a pereira, o loureiro, o carvalho e o pinheiro.

E para acabar em beleza, sabes que se vende azeite em garrafas com aparas de ouro em suspensão?! Nota que pode bastar para tanto uma folha do metal de 10×10 cm mas apenas com 0,0001 mm de espessura. O efeito é espetacular, e quando há preços de mais de 20 euros por litro, o acréscimo de uns 70 cêntimos de ouro até parece irrisório para o teu rico azeite.