“Se, para uns, a conquista de uma vida melhor é o principal objetivo, para outros, a luta pelo bem comum sobrepõe-se aos interesses individuais. Será que estas duas perspetivas se podem conciliar na sociedade atual?” Esta era a questão à qual os meus alunos do 11º ano tinham de responder, redigindo um texto expositivo-argumentativo. A questão é, aliás, familiar para quem está familiarizado com os exames nacionais da disciplina de Português.

O grupo de alunos é empenhado e a abordagem do tema parecia-me fácil. Como faço sempre, pus-me no papel dos alunos e procurei vários argumentos que sustentassem aquele que, pensei eu, seria o ponto de vista dominante: é possível lutar pelo bem comum sem deixar de conquistar uma vida melhor. Até porque o caminho para a realização pessoal passa, para muitos, pela solidariedade e pela dedicação aos outros.

Enganei-me. A resposta da maior parte dos alunos foi assertiva: não é possível conciliar a perspetiva individual com a luta pelo bem comum. A base da argumentação também não pareceu causar muitas dúvidas: as pessoas são cada vez mais individualistas e egoístas e, desta forma, pensam apenas no seu bem-estar. Confesso que fui surpreendida por estas opiniões. Respeitando estes pontos de vista, limitei-me a manifestar na lateral dos textos algumas pistas que poderiam levar os alunos a pensar num outro sentido. Isto foi no início da semana passada. Entretanto, as notícias do fim de semana não foram meigas e dificultaram-me o trabalho. De repente, as minhas notas laterais perderam todo o sentido.

O que aconteceu? Primeiro, foi a questão da Santa Casa da Misericórdia. Duzentos milhões de euros vão ser transferidos de quem tem pouco para tem tem muito. Mais uma vez uma ajuda aos coitadinhos do costume, que os portugueses já se habituaram a financiar: a banca. Depois, o caso “Raríssimas”, uma instituição que parece mais vocacionada para ajudar quem precisa de um bom carro ou de umas férias… E, mais recentemente, o caso da IURD: o altruísmo de quem quer ajudar os outros a despejar os bolsos, agora com novas revelações mais cruéis de adoções ilegais.

Estas notícias desarmaram-me. Como mostrar que o bem comum é uma preocupação de muitos, quando instituições que têm como bandeira a luta por uma sociedade melhor e a proteção dos que mais precisam manifestam atitudes de profundo egoísmo e materialismo? É difícil. Muito difícil! As palavras soam a ocas, quando as atitudes as contradizem. Ainda bem que nas minhas anotações não dei nenhum dos exemplos mencionados. Teria de os riscar.