Os tempos já não são o que eram. Andamos nós toda a vida a ensinar e a aprender que o exemplo tem de vir de cima e, de um momento para o outro, tudo se desmorona. Ou, se calhar, já estava tudo no chão e não tínhamos notado, à semelhança daqueles quartos da malta desarrumada, para os quais o dormitório está sempre nos trinques.

Eu, que ando sempre aqui com cuidados com as vírgulas, não vá alguma estar fora do lugar e dar mau exemplo, sinto-me ridícula, um ser alienígena. De cada vez que digo aos meus filhos que têm de ser coerentes, não sei se os estou a ensinar a serem homens ou a fazerem parte de uma espécie rara, cada vez mais abafada e em riscos de extinção, para quem a palavra honrada já não servirá como moeda de pagamento para o que quer que seja.

O que esperar de um país que tem no topo de um órgão de soberania um homem que, num dia, não quer andar mascarado, porque é o dia 25 de abril, mas é palhaço todos os dias? (Com o devido respeito para os palhaços.) Hoje fez mais um número: parece quer toda a gente mascarada no Parlamento. Não, não estou a falar da máscara de ideias do costume. Falo daquelas perigosíssimas, capazes de matar, severamente desaconselhadas por Graça Freitas, que é quem nos trata da saúde.

O fim de semana passado foi pródigo em palhaçadas vindas de cima. Depois de, no último fim de semana de abril, a GNR, fortemente armada (quem viu sabe do que falo), me ter feito parar à entrada de Lousada, perguntado para onde ia e me ter advertido do dever de não sair do concelho de 1 a 3 de maio, garanto-vos que nem uma grua me arrastava até aos concelhos vizinhos. No dia 1 de maio, percebi que afinal era tudo a brincar. Tipo aquelas coisas que, às vezes, dizemos aos miúdos para os assustar e evitar que se ponham em perigo. “Não vás para ali que está um bicho perigoso que te faz mal!”

Quem não teve medo do bicho foram as centenas de pessoas que se juntaram em Lisboa para celebrar o 1.º de Maio, atravessando os limites dos seus concelhos, se necessário, a coberto de um decreto presidencial, que decerto consideram mais eficaz do que as tais máscaras perigosíssimas.

Quando se quer ser coerente, mas não se pode, para não enterrar o Governo, as palhaçadas são ainda maiores. Escorrega-se para a direita, para a esquerda, reequilíbrio, seguido da pergunta do jornalista, que faz o entrevistado estatelar-se no chão. Quem gosta de ouvir os nossos governantes e seguir as orientações de cima sabe do que falo. Da entrevista com a Ministra da Saúde.  No entanto, suspeito que o espetador ficou mais confuso ainda. Afinal, a idade é critério para ficar em casa? Posso ou não ir a Fátima a 13 de maio? Os decretos presidenciais são para levar a sério? Vou pagar mesmo mais de 100 euros de multa quando entrar no autocarro sem máscara? (Não, esta só pode ser outra peta de abril!)

E é assim este país, salvo pelo povo, pela arraia miúda, mas coerente, que sabe dar o exemplo. Que fica em casa, para salvar a comunidade, que dá a mão ao próximo quando é preciso, que arrisca a vida para salvar os outros. Com poucos euros no bolso, a maior parte, é certo, mas com a alma grande.