Surpreendemo-nos cada vez que os Evangelhos nos recordam que Cristo declarou «bem-aventurados os que sofrem…», «bem-aventurados os que choram…». Por que razão o próprio Jesus chorou? Por que é que a pregação cristã nos exorta a pedir a Deus o dom de lágrimas?

Numa das páginas mais poéticas do Antigo Testamento, Deus promete que nos tirará o coração de pedra e nos dará um coração de carne. Porque, de facto, a impermeabilidade à desgraça alheia tira a vida ao coração humano. Uma pessoa incapaz de sofrer é como um cadáver empedernido.

Dá pena —ou riso— a caricatura do Lord britânico, que reprime as suas emoções a ponto de olhar o seu palácio reduzido a cinzas comentando sem levantar a voz: «estou convencido de que o meu palácio ficou completamente destruído». Sufocar os sentimentos é tão horrível como calçar aqueles sapatos, tradicionais nalgumas culturas, que deformavam os ossos dos pés para os tornar mais bonitos.

Emocionar-se é uma riqueza que temos de dominar e cultivar. O exagero fleumático é a reacção desproporcionada ao descontrolo irracional das emoções. A aparência de invulnerabilidade é a máscara do orgulho e a cegueira espiritual de quem vive na irrealidade. Os próprios pecados? Não vi. Os necessitados à minha beira? Quero-os longe. A alegria? Incomoda-me o barulho, guardo-as para mim.

Deus nos livre das máscaras impassíveis! E nos dê um coração vibrante, expansivo!

O Papa fala quase todos os dias da sua querida Ucrânia, flagelada pela cruel invasão dos russos. Esqueço-me da desgraça dos ucranianos?

O Papa lembra as multidões pobres da África que fogem da guerra e da miséria. Vejo-os como perturbação da minha segurança e do meu conforto?

Há guerras e convulsões em muitas partes do mundo, povo inteiros subjugados por ditaduras comunistas. Ignoro, como se fosse outro planeta?

Há famílias desunidas, crianças abandonadas, idosos sozinhos. Não tenho que ver com isso? Muitas crianças morrem abortadas e a sociedade mobiliza-se para eutanisear os idosos. Ignoro?

O medo de sofrer, de interagir com os outros, paralisa a mensagem evangélica. Jesus falava em «ir por todo o mundo e pregar o Evangelho». A primeira Exortação Apostólica do Papa Francisco chamou-se «Evangelii gaudium» (a alegria do Evangelho), porque o anúncio da felicidade deveria correr de pessoa em pessoa. Onde está o meu sentido de responsabilidade em relação a Deus e à Igreja e em relação aos outros? Partilho com entusiasmo a alegria da fé?

A pressa de transmitir a fé, sinal de amizade, de vida feliz, que sabe comunicar-se, tem sido o tema tratado pelo Papa nas últimas audiências.

Em contrapartida, quando o reumatismo espiritual, que fecha as pessoas no seu conforto, contagia morte. As armas de destruir povos inteiros, como quem mata baratas, são o paradigma desta atitude. Alguns confiam nelas para obter a paz, justificando-se com eufemismos: a dissuasão nuclear, o equilíbrio das forças, etc. Especialmente os últimos Papas, de João XXIII, a Paulo VI, a João Paulo II, a Bento XVI, a Francisco, condenaram essa loucura. O Concílio Vaticano II reforçou a posição.

Esta semana, o Papa Francisco escreveu uma Carta a comemorar os 60 anos de uma Encíclica de João XXIII sobre a paz, em que repete a mensagem de sempre:

«O uso da energia atómica para fins bélicos é imoral, como é imoral possuir armas nucleares».

Quando a humanidade recusa sofrer, degrada-se. Os povos que buscam falsas seguranças, entregam a esperança da paz às armas da morte. Pelo contrário, quem vibra com empatia e sentido de missão, leva a alegria do Evangelho a todo o mundo.