A bazuca

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Fomos ao dicionário que estava mais à mão para verificar se conhecíamos o significado da palavra.

Era o que esperávamos, embora sem a literalidade exigível. A metáfora, agora em moda, refere-se à impronunciável quantidade de dinheiro que será colocado à disposição do governo português para recuperar da crise que nos afeta ainda no âmago e cujas consequências e necessidades geradas e a gerar estão ainda longe de ser calculáveis.

Uma coisa parece certa. Não é para fazer face à pandemia. É mais para recuperar a economia.

Outra certeza é a de que as necessidades agora criadas e os meios de que o país vai dispor para vencer este desafio são superiores às que a malfadada “troika” exigiu. A vantagem, desta vez, é que uma parte substancial virá a fundo perdido e não terá de ser devolvido com “língua de palmo” que, é como quem diz, com juros que nunca mais se pagam e, pior ainda, pagos pelos mesmos. Dizem-nos as agências internacionais que a solução encontrada para resolver a crise de 2008 acabou por resultar numa pescadinha de rabo na boca, ou seja, a quantidade de dinheiro enviada foi devolvida à proveniência sem que daí tivessem resultado significativos avanços para as economias em maiores dificuldades, como era, e ainda é, o caso de Portugal. Aliás, a solução então encontrada fez mais ricos os países mais ricos e criou mais pobres nos países onde já existiam em maior número.

Hoje, as nossas dúvidas não são as mesmas, mas são parecidas e, quiçá, maiores.

Por um lado, de que servirá o dinheiro não for utilizado na economia e, nesta, sobretudo em empresas capazes de gerar maior valor acrescentado, sobretudo por via das exportações?

Para que servirão os milhares de milhões se o país mantiver uma economia que só vive á custa de salários baixos, continuando a deixar vazias as mãos dos que geram a riqueza e enchendo os bolsos aos que se limitam a “investir” o dinheiro que nem deles é, mas ao qual são os únicos a ter acesso?

Temos dúvidas, muitas, que o governo, este ou outro, cercado pelos interesses corporativistas e pessoais do centrão político que há muito tomou conta do aparelho do Estado, seja capaz de abdicar das práticas que acabaram por absorver todos os fundos comunitários de que o país usufruiu até hoje.

O Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) que o governo foi obrigado a colocar em discussão não parece ser capaz de resolver o problema. Aliás, há valores consideráveis que, vê-se, estão já apontados às clientelas partidárias e a outras que alimentam estas.

A memória que temos dos períodos em que mais fundos comunitários foram atribuídos a Portugal é a de ver os carros de bois a cruzar com os Ferraris nas numerosas rotundas, muitas construídas por moda e parolice, pelos nossos autarcas, como se por andarmos às voltas não voltássemos ao local de onde partimos ou, por limite, ficássemos de cabeça à roda.

Nessa altura, o Vale do Sousa, constava nas estatísticas como a região mais pobre da Europa e também aquela onde, paradoxalmente, havia mais Ferraris per capita.

 Hoje, ainda não é diferente.