A bancada do Partido Socialista levantou, ontem, em Assembleia Municipal, questões sobre a acção de controlo da Inspecção-Geral de Finanças (IGF) que encontrou várias irregularidades ligadas à área do Urbanismo na Câmara Municipal de Penafiel, nomeadamente violações do Plano Director Municipal (PDM) e processos de contra-ordenação pendentes e em risco de prescrição, dando à autarquia recomendações para os resolver e remetendo casos para o Ministério Público.

Ainda antes de a sessão começar, Nuno Araújo fez um ponto de ordem à mesa, criticando “a forma reiterada como a Câmara tem ocultado informação” à Assembleia Municipal. “Ainda ontem (quinta-feira) fizeram chegar um relatório incompleto ao grupo municipal do PS acerca de uma inspecção que foi feita pela IGF. Esse relatório estava na posse da câmara há cerca de dois meses. O presidente da câmara devia ter informado os vereadores e eleitos da Assembleia no prazo de 10 dias”, sustentou o socialista, apelando à mudança de comportamentos e a que houvesse mais tempo para debaterem o tema no período antes da ordem do dia.

Carlos Pinto, líder da bancada da Coligação Penafiel Quer (PSD/CDS) aceitou. “Quando as autoridades inspectivas emitem relatórios e auditorias deve ser dado conhecimento embora o relatório ainda esteja dependente de instâncias judiciais. O período antes da ordem do dia é precisamente para debater temas importantes para o município”, disse.

Socialistas chamaram a atenção para “situações potenciadoras de risco de corrupção”

Depois de debatidos outros temas, os eleitos voltaram então ao relatório da IGF, com Nuno Araújo a voltar à carga com o atraso no envio do documento, mas também sobre as conclusões do mesmo. “Além de a câmara ter aprovado obras de forma ilegal, em desconformidade com o PDM, também acumula 821 processos de contra-ordenação urbanística metidos na gaveta. 400 deles anteriores a 2014 e em risco de eminente prescrição”, frisou.

Criticou ainda, referindo-se ao documento, que o vereador do Urbanismo “arraste de forma injustificada os processos de contra-ordenação, alguns com ordem de demolição desde 2015” e que o PDM tenha sofrido “alterações para permitir legalizar obras ilegais”.

O socialista alertou ainda para as “situações potenciadoras de risco de corrupção” presentes no relatório, como o facto de o vereador Adolfo Amílcar acumular funções numa comissão que emitia pareceres, com funções consultivas e decisórias ao mesmo tempo, a par da “inexistência de procedimentos de conferência, revisão ou controlo, por um segundo trabalhador ou dirigente, no que respeita, designadamente, à medição de projectos e cálculo das taxas” e do “arrastamento, nem sempre justificado, dos processos de contra-ordenação e dos relativos à reposição da legalidade urbanística”.

“A IGF concluiu pelo envio das situações ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel para reposição da legalidade urbanística”, lembrou. Nuno Araújo lamentou ainda a “forma desleixada como tem sido conduzida a cobrança de taxas urbanísticas” e “os danos para o erário público” que resultam deste “laxismo” e “gestão irresponsável do dinheiro público”.

Concluiu questionando sobre “que medidas foram tomadas e quando vai apresentar um plano de acção que tente corrigir para que estas situações não se voltem a repetir no município?”.

Pedro Couto, eleito do TOP, subiu ao púlpito para dizer que não podia discutir o relatório por não o conhecer na totalidade. Já Carlos Pinto voltou a usar da palavra para frisar que “as inspecções são processos cirúrgicos, muito complexos, que avaliam à exaustão” e que não devem ser olhadas só pelas irregularidades apresentadas. “O processo ainda vai no adro, por isso é que ainda há contraditório. A câmara ainda tem de dizer à IGF o que fez, o que não fez e se concorda. Vejo que há aqui três a quatro questões com relevância e que deverão ser remetidas ao tribunal administrativo para avaliar irregularidades. Será um órgão decisor independente a ver se devem ser ou não anulados procedimentos. Se verificarmos que há questões a ser resolvidas, que sejam resolvidas. Esta bancada não compactuará com ilegalidades e tudo fará para que situações sejam repostas”, afirmou, pedindo ao presidente da Câmara que sossegasse os eleitos da Assembleia sobre o tema.

“Não houve prescrição de nenhuma contra-ordenação”

Foi isso que fez Antonino de Sousa. O presidente da Câmara começou desde logo por explicar o timing de envio do relatório. “Não houve intenção de esconder o que quer que fosse. Foi o entendimento dos serviços de que o prazo para dar conhecimento era de 60 dias. À câmara municipal irá à próxima reunião”, disse.

O autarca quis depois “dissipar dúvidas” sobre uma “matéria sensível e que tem de ser tratada com seriedade”. As “desconformidades com o PDM são os únicos factos verdadeiramente graves”, apontou, realçando, desde logo a função “pedagógica” e de melhoria dos serviços destas inspecções. “O sumário diz que a acção de controlo visou contribuir para a melhoria da actividade municipal ao nível do planeamento territorial, da gestão e fiscalização das operações urbanísticas, do aperfeiçoamento dos processos de contra-ordenação e da aplicação das medidas da tutela de reposição de legalidade”, referiu. “Por isso é que o documento termina com a apresentação de várias recomendações” e dá 60 dias à Câmara para dizer quais foram acolhidas. “Em grande medida foram acolhidas”, garantiu.

Sobre os processos de contra-ordenação, Antonino de Sousa fez questão de frisar que o documento “não diz em lado nenhum que a Câmara de Penafiel permitiu que prescrevessem processos de contra-ordenação. Isso é que poderia ser grave. Diz que convém não deixar que prescrevam e não houve prescrição de nenhuma contra-ordenação”, afiançou. “Quando é possível regularizar uma situação é dada essa possibilidade ao munícipe, daí o prazo de cinco anos. A câmara não tem interesse nenhum em fazer demolições, é assim na nossa câmara e em todas”, clarificou ainda o presidente da Câmara, dizendo que quando está a terminar o prazo os processos são decididos para “que daí não resulte nenhum prejuízo para o erário público”.

Já sobre a acumulação de funções do vereador do Urbanismo, o autarca frisou que “não era o vereador que dava pareceres, era a Comissão Municipal do Património que integra três técnicos da câmara municipal e um cidadão e era presidida pelo vereador”. Face à recomendação da IGF, a Câmara já alterou e é agora o presidente da câmara que preside à comissão. “São recomendações, não há nada de mal”, alegou.

“Há duas situações que sim, podem ser graves, mas julgo que não virão a ser, que consubstanciam a violação ao PDM. Essas já terão sido participadas ao Ministério Público. Tanto uma como outra não nos dizem respeito em termos de mandato, quer actual quer passado”, e terão começado em 2001, elencou Antonino de Sousa, acrescentando que os processos dizem respeito ao edifício do “Cine São Martinho” e do localizado em frente à Galp na Avenida Tenente Valadim.

“É ver de onde vêm os assuntos. Não sejam tão lestos a apontar o dedo, analisem com calma o que está no documento. As duas situações que mereceram atenção mais grave não são deste tempo”, criticou o presidente da Câmara de forma mais política.

O autarca deixou por fim a garantia de que “não há razões para preocupação”. “Já está em curso outra inspecção na área financeira. As inspecções são normais. Servem para apontar melhorias. E se encontram ilegalidades devem ser sinalizadas para que outras instâncias possam actuar”, concluiu.