POLÍTICA PARA TOTÓS: Os donos das agências funerárias

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Se tivéssemos em conta a tendência das taxas de abstenção nas eleições para o parlamento europeu talvez entendêssemos melhor o que aconteceu no domingo passado. A União Europeia enquanto projecto colectivo é uma concepção das elites, uma realização onde a igualdade significa apenas vantagem das principais economias e, destas, a Alemanha é um espaço pequeno para tamanho país e a europa é demasiado diversa para interesses tão particulares.

Dos resultados globais retirem-se duas importantes conclusões: contrariamente aos
medos, justificadamente espalhados, as ameaças extremistas não se concretizaram. O crescimento, à direita e à esquerda, dos partidos marginais ao projecto europeu foi
contido o que, por si só, já é um bom sinal. O perigo continua presente, a ameaça é constante mas, por ora, só fora do PE (Parlamento Europeu) se esperam maiores manifestações.

Outro dos resultados significativos foi a dispersão dos votos que deu origem à diminuição da importância dos dois grupos que condicionaram, até hoje, as decisões do PE. A nova composição do parlamento de Bruxelas deixa de estar sujeito aos interesses exclusivos do PPE (Partido Popular Europeu) ou dos Socialistas. A proliferação de novos grupos e a consolidação de alguns já existentes abrem portas à diversidade de acordos. Visto assim, o novo PE parece representar melhor os interesses dos diferentes países e sobretudo a agenda europeia pode e deve contemplar assuntos cuja pertinência é cada vez mais decisiva para o futuro da europa. Visto deste ângulo os resultados até foram bons para a consolidação da UE.

Mas que nunca nos deixemos enganar. A representação dos europeus em Bruxelas está prenhe de lobbys prontos a parir. Dizem-se moderados, democratas e são eurocratas. Apresentam-se, como sempre, de fato e gravata, à qual assoam o nariz quando ninguém vê e são como os donos das agências funerárias: não querem que ninguém morra, mas querem que a vida lhes corra.

Quando comparas sushi com cabrito assado

Por cá, vão-se fazendo leituras possíveis e inimagináveis. Contudo, quando chegamos ao ponto de comparar os resultados das europeias com os das últimas autárquicas só nos lembramos da nossa infindável imaginação. Comparar cabrito assado com sushi é possível, mas de pouco nos servirá.

Fiquemo-nos, então, por esta conclusão: as europeias foram as preliminares das legislativas. Normalmente, o partido que vence as europeias aumenta a sua votação nas legislativas. É o que o Partido Socialista precisa de fazer, como parece querer, para se desfazer e desfazer-se da geringonça. António Costa não quererá que o Bloco cresça mais e assim aumente ainda mais a sua influência. Quanto ao PC, será tempo de lamber as feridas dos erros cometidos por ter estado tão próximo do poder e tão longe da ortodoxia em que assentou sempre a sua afirmação junto do seu eleitorado. Se há uma característica que sempre definiu o PC foi a fidelidade à sua matriz ideológica. A “europeização” dos comunistas portugueses pode vir a ter o mesmo efeito que teve em outros partidos comunistas em toda a Europa que, pura e simplesmente, desapareceram. E era mau, muito mau, se assim viesse a acontecer.

Quanto às direitas, o PSD parece numa encruzilhada e, se não melhorar substancialmente os resultados eleitorais nas legislativas, o pragmatismo de Rio desaguará no Tejo que nunca gostou dele e afogar-se-á no norte, que para os lisboetas é o seu principal defeito. Eles não dizem isso, mas é isso que detestam em Rio que, aliás, não é pior do que os seus antecessores. Ao CDS restará saber escolher definitivamente o seu espaço que é, literalmente, o da direita democrática.

E faz tanta falta a existência de um Partido Comunista orgulhoso da sua ideologia como um CDS representativo da direita moderna e democrática.

Parece-nos que quer um quer outro é tão importante que a ambos muito se deve por impedirem a proliferação de extremismos, à esquerda e à direita, que tantos dizem recear.