Foto: DR/Arquivo

Depois de uma polémica gerada em 2019, em torno do “Baile dos Pretos”, um dos bailes da Cavalhada realizados durante as Festas do Corpo de Deus, em Penafiel, a Câmara Municipal decidiu não realizar esta recriação histórica, que represente “a história de um grupo de escravos negros alforriados, que apresentam uma vistosa dança de fitas”. A autarquia pretende revitalizar um outro baile tradicional no próximo ano.

A novidade foi avançada em reunião de executivo. Foram aprovados apoios de 500 euros a cada um dos bailes que vão participar nas Festas do Corpo de Deus, o Baile dos Ferreiros, dos Pauzinhos, das Floreiras e o Baile dos Turcos. “Este ano não temos o Baile dos Pretos, há aí uns puritanismos. É pena porque é uma tradição antiga, mas o politicamente correcto obriga-nos a essas coisas”, comentou o presidente da Câmara de Penafiel, aquando da votação.

“Não é uma questão de politicamente correcto, é mesmo uma questão de evolução civilizacional. Os dizeres associados a esses cantares eram profundamente racistas. Ainda bem que os tiramos das nossas festividades para não as conspurcar”, defendeu Paulo Araújo Correia pela Penafiel Unido (PS/RIR).

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“Assisto há tantos anos aos bailes do Corpo de Deus e nunca ninguém se sentiu melindrado com aqueles cantares, porque sempre foram interpretados como uma questão histórica. Mas aquilo que não queremos, nem vamos permitir, é que as Festas do Corpo de Deus sirvam para nenhum tipo de combate político, porque devem estar acima disso, são demasiado importantes. Se temos de deixar de ter o Baile dos Pretos deixamos”, confirmou Antonino de Sousa.

“Não vamos dar a oportunidade que as Festas do Corpo de Deus sirvam para quezília política”

Ao Verdadeiro Olhar, o autarca lembrou que, em 2019, “houve uma tomada de posição do Partido Socialista, inclusive com requerimentos na Assembleia da República, a propósito do tema sugerindo que havia uma atitude racista na actuação desse baile em concreto”, lamentando esse aproveitamento político.

“Mas porque, para nós, as festas do Corpo de Deus têm uma dimensão extraordinariamente importante, não queremos que nada possa beliscar estas festividades”, sustentou o edil de Penafiel, lembrando o esforço que foi feito, nos últimos anos, para recuperar estas tradições, que de outra forma teriam desaparecido.  

“Não vamos dar a oportunidade que as Festas do Corpo de Deus sirvam para quezília política. Queremos que sejam as grandes festas mobilizadoras e unificadoras do nosso concelho”, argumentou ainda Antonino de Sousa, confirmando que o objectivo é criar um novo baile no próximo ano. “Os técnicos do Museu Municipal já estão a fazer pesquisa histórica nos arquivos. Temos trabalho feito que deve permitir, já no próximo ano, ter novidades nesse domínio”, adiantou, aludindo ao carácter único destas festas seculares.

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Recorde-se que, em 2019, um conjunto de deputados do PS questionou o Governo sobre o facto de o evento cultural Bailes do Corpo de Deus – Cavalhada, candidato ao programa “7 maravilhas de Portugal”, da RTP, apresentar uma dança denominada “Baile dos pretos”. “Em traços gerais, esta dança tem como participantes pessoas caucasianas que se pintam de negro e dançam ao som destas quadras: ‘O Preto é o rei dos matos/Imperador de macacos/Não posso levar avante/Pretinho andar de Sapatos’ ou ‘Trabalhai Pretos cachorros/Trabalhai com devoção/Já que el-rei vos deixou forros/Ide-lhe beijar na mão’”, lia-se na pergunta. Os socialistas consideraram o evento “manifestamente desadequado e desajustado nos dias de hoje”. “O respeito pelas tradições não se pode sobrepor ao respeito que, enquanto cidadãos, temos por todas as pessoas, na sua enriquecedora diversidade. No nosso entender, ‘manifestações culturais’ como esta normalizam hoje uma ideia de menorização, que deve estar definitivamente ultrapassada. Cremos que é missão pública de quem tem o dever de informar promover actividades, eventos e iniciativas que se pautem pelo respeito entre todos e combatam qualquer prática discriminatória”, argumentaram na altura.

Na resposta, a Câmara de Penafiel acusou os deputados de “profundo desconhecimento histórico e cultural” e de “uma grande dose de hipocrisia”. A autarquia explicou ainda que, aquando da recuperação destes bailes, e deste em concreto, “teve o cuidado de suprimir parte as quadras que pudessem conter alguma referência ofensiva, não sendo verdade que as quadras referidas no requerimento do PS à senhora Ministra da Cultura integrem o actual reportório do baile”.