Cerca de 18 reclusos que usufruem do regime aberto para o interior trabalham diariamente na agricultura nos campos do Estabelecimento Prisional (EP) de Paços de Ferreira. Desta vez, as batatas produzidas tiveram um “sabor especial”. É que a colheita de aproximadamente uma tonelada terá como destino pessoas carenciadas de instituições que são apoiadas pelo Banco Alimentar contra a Fome do Porto.

Trata-se dos primeiros resultados do projecto Horta Solidária, que resulta de uma parceria entre a Federação Portuguesa dos Bancos Alimentares Contra a Fome e o estabelecimento prisional.

O objectivo é contribuir para a reinserção social dos reclusos, que voltam a ter rotinas, e envolvê-los numa iniciativa útil à sociedade.

“Plantar com este fim tem um sabor especial”, diz recluso

A sementeira foi feita em Abril. Num hectare de terreno da prisão foram plantadas batatas e abóboras. Os primeiros frutos deste trabalho foram colhidos esta semana.

Para Paulo Vaz trabalhar na agricultura é regressar às origens. Preso há seis anos e meio, por tentativa de homicídio, conta que foi criado na lavoura, pelos avós. “Voltar à terra fez recordar momentos de infância”, refere. Depois de ter passado pelas limpezas, trabalha nas hortas do estabelecimento prisional desde o Natal. Há três meses ajudou a plantar as batatas que agora colhiam. “Mas plantar com este fim tem um sabor especial. Podemos ajudar quem mais precisa e passamos melhor o tempo”, defende o recluso que acredita que esta experiência o pode ajudar a regressar à sociedade, já que ajuda a ganhar rotinas. “Temos que cumprir horários”, salienta.

Este recluso não esconde que enveredou por maus caminhos, mas garante que quer, o mais brevemente possível, reconstruir a sua vida fora da prisão. Já plantou cebolo, abóboras, pepinos, pimentos, melancias, curgetes… “O trabalho é cansativo, mas compensa. Andar cá fora e saber que estamos a ajudar outras pessoas é motivador”, afirma.

“Eles aqui sentem-se mais libertos, o próprio ar ajuda a esquecer um pouco os problemas”

A acompanhar os reclusos nestas tarefas está o guarda prisional Vítor Parente. “Sem o apoio deles não fazíamos grande coisa. A maior parte deles esforça-se bastante e só assim conseguimos tirar daqui algum proveito”, explica. “Temos reclusos que até percebem bastante de agricultura mas também temos alguns que nunca trabalharam nisto”, acrescenta o guarda prisional.

Este ano, lamenta, a produção de batata foi baixa, até porque o tempo não ajudou muito. Além desta ajuda para o Banco Alimentar, saem dos terrenos da prisão produtos que são vendidos a familiares de reclusos, a funcionários e também direccionados ao consumo interno do estabelecimento prisional.

Sobre os benefícios deste trabalho para os reclusos não tem dúvidas. “Eles aqui sentem-se mais libertos, o próprio ar ajuda a esquecer um pouco os problemas”, diz Vítor Parente. 

“É importante para eles, para se sentirem úteis à sociedade”

A ajuda é “mais simbólica que em quantidade”, diz Alexandre Abreu Lima, do Banco Alimentar Contra a Fome do Porto e responsável pelo projecto Horta Solidária. Mas tem um fim nobre: “a inclusão dos reclusos numa actividade de solidariedade”. “É importante para eles, para se sentirem úteis à sociedade e para ficarem com alguns conhecimentos de futuro”, defende.

A Horte Solidária começou há um ano e envolve mais cinco estabelecimentos prisionais. O Banco Alimentar comparticipa com um euro cada hora de trabalho dos reclusos e fornece as sementes. Já a cadeia disponibiliza os terrenos e os equipamentos. “A comparticipação do banco alimentar é de aproximadamente um euro por hora, que não é o valor total recebido pelo recluso”, salienta. “Esta é a primeira iniciativa e estamos todos a aprender. Levamos daqui a expectativa de no futuro mais ajuda para pessoas necessitadas”, acrescenta Alexandre Abreu Lima.

Segundo Angélica Martins, adjunta da directora do EP de Paços de Ferreira, “a experiência é positiva” e enriquecedora para os reclusos que têm a oportunidade de trabalhar com fins solidários. “Esta actividade contribui para a sua reinserção social e, ao mesmo tempo, permite-lhes contribuir para o combate à exclusão social e à fome de pessoas carenciadas”, destaca. Dos 718 reclusos desta prisão, cerca de 70% estão ocupados em actividades. Angélica Martins defende que este deve ser um projecto a manter. Neste estabelecimento prisional há 30 reclusos que estão integrados no regime aberto para o interior, que permite o desenvolvimento de actividades no perímetro do estabelecimento prisional ou imediações, com vigilância atenuada. Nos trabalhos agrícolas ganham cerca de três euros por hora.